Guri ainda, mas já picado pelo mosquito da política, eu não perdia um comício nos tempos dos velhos PTB e UDN, como os da memorável campanha entre Lúdio Coelho e Pedro Pedrossian ao governo do Estado antes da divisão, na aurora da instalação da ditadura militar de 64. Foi numa dessas ocasiões que ouvi um inflamado discurso do então deputado federal udenista Wilson Barbosa Martins, uma frase que me acompanharia pela vida: “não se tapa o sol com a peneira”.
Naquela noite, na esquina da Presidente Vargas com a Weimar Torres, confesso, fiquei boiando. Entendi a sentença ao pé da letra — e imaginei alguém, de fato, tentando encobrir o sol com uma peneira de arame. Só décadas depois percebi o peso da metáfora. Wilson, ironia das ironias, acabaria cassado, o que até hoje é entendido como um dos maiores equívocos do dito “regime revolucionário”, sustentado por seu próprio partido, a “marvada” UDN.
Lembrei-me dele ontem, ao ver nas redes a coreografia do novo palanque bolsonarista em Mato Grosso do Sul. Uma babel de siglas, caciques de pijama, papagaios de pirata disputando espaço atrás de Reinaldo Azambuja e Valdemar Costa Neto — sim, aquele mesmo, “meu nome é Waldemar”, agora tentando se rebatizar como “o blindado”. Tudo isso embalado pela pressa de garantir lugar na foto para os santinhos de 2026.

Hoje, na sesta, sonhei o velho Wilson, em sua catatumba, se revirando ao perceber que o ensinamento da peneira nunca saiu de moda. O mesmo Estado que o elegeu primeiro governador, depois senador; governador de novo, agora vê seu legado entregue a figuras que disputam microfone como quem disputa sombra de poste. E, como herdeiro de luxo, André Puccinelli, reduzido ao papel de figurante, sorriso amarelo, depois de duas vezes governador, em vez de ir cuidar dos netos, como prometera antes de ir para o xilindró, agora tenta pegar carona no prestígio da fenomenal Isa Marcondes — a ex-rainha da noite douradense que virou a vereadora mais votada em Dourados — para com ela tentar voltar a subir a rampa do Palácio Guaicurus em janeiro de 2027.
Sessenta anos depois, entendi enfim o alcance daquela frase. Porque não há blindagem parlamentar, PEC salvadora ou anistia fabricada que consiga tapar o sol — seja o sol da justiça, seja o sol do juízo da história. A peneira é sempre frágil.
Tanto que nem bem sumiam os ecos da filiação de Azambuja no arvoredo do Parque dos Poderes, a esquina da Afonso Pena com a 14 de Julho já se transformava em toca-discos de protesto. Do vinil do jornalista Vander Verão ao streaming no celular, Chico Buarque soa mais atual que nunca: “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. E o “você”, naquele refrão imortal, dos anos de chumbo da ditadura, já tinha rosto, sobrenome e palanque. O resto é só orquestra desafinada de alianças, tentando tapar o sol com a peneira enquanto a praça, em coro, devolve a canção à história.
E como o day after amanheceu nublado na terra de seu Marcelino, só resta esperar: o sol, mais cedo ou mais tarde, sempre rompe as peneiras.
