A imagem vale mais do que mil palavras: Reinaldo Azambuja, governador Eduardo Riedel, vice José Carlos Barbosinha e uma multidão de papagaios de pirata comprimidos sob olhares sorridentes de Jair Bolsonaro e Michele, no telão. No rodapé, a flâmula do PL. No topo, o slogan gasto de “Deus, pátria, família”. O álbum de família do bolsonarismo, capturado neste domingo, em Campo Grande, já nasceu com cheiro de peça de museu.
O contraste é inevitável: enquanto aqui a direita comemorava sua “união”, as ruas em várias capitais voltavam a se colorir de bandeiras vermelhas e palavras de ordem contra a blindagem parlamentar e a anistia aos golpistas. O efeito foi imediato: Hugo Motta, presidente da Câmara, recuou no discurso, confessando que as tais “pautas tóxicas” não resistem ao clamor popular.
O que se viu, portanto, foi uma encenação: o bolsonarismo local tentando se reinventar, travestindo Azambuja de novo apóstolo da direita, enquanto o verdadeiro protagonista — o mito preso, condenado e inelegível — era exibido como troféu. É a “martirização” elevada à categoria de estratégia eleitoral. Bolsonaro, que só chegou ao Planalto depois da facada, agora preso, converte-se em relíquia, santo de devoção.
Mas a pergunta que não quer calar: será que, lá no fundo, a grande aposta dos bolsonaristas, e aqui falando dos psicopatas, conforme o diagnóstico de Marta Suplicy, não seria a morte do líder? Aí, sim, a canonização seria automática, e o mito se tornaria eterno, intocável, além das grades e dos tribunais. É cruel dizer, mas a política brasileira já nos acostumou a transformar cadáveres em palanques — de Getúlio Vargas a Tancredo Neves.
O problema é que essa aposta macabra ignora o movimento da história. Assim como Wilson Barbosa Martins avisou, lá atrás: não se tapa o sol com a peneira. Não há foto de unidade que esconda as fissuras de um projeto político baseado no ódio, na negação e na blindagem da bandidagem, não só a congressual.
Enquanto a direita posava para o retrato em Campo Grande, Chico Buarque voltava a ecoar nas ruas: “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. E, como trilha sonora de fundo, voltava também a voz de Geraldo Vandré, o contraponto mais perene dos tempos da ditadura: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Entoado em uníssono pela multidão nas ruas, esse coro fez tremer os intramuros do Congresso Nacional. E o “você”, desta vez, não é só Azambuja nem Bolsonaro, mas todo um sistema que ainda acredita que pode controlar o amanhã com uma foto oficial.
Foto que, vendida como retrato de unidade, é na verdade mais epitáfio que lembrança. O registro de um projeto político que insiste em posar sorridente enquanto a história já lhe escreve o obituário. Porque, como ensinou o velho, mas eterno, Wilson Barbosa Martins, não se pode tapar o sol com a peneira.
