O ex-governador Reinaldo Azambuja resolveu antecipar os ponteiros do relógio e se atirou de cabeça nos braços do bolsonarismo em fim de feira, como quem aceita o último convite para o baile da Ilha Fiscal sem perceber que a orquestra já afinava os instrumentos da República. Foi um equívoco de calendário, de cálculo e de leitura de cenário. Primeiro, marcou sua filiação ao PL no fatídico 11 de setembro brasileiro, data em que Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos de cadeia, e, não satisfeito, adiou o espetáculo para 21 de setembro, dia em que o Brasil voltou a se vestir de vermelho, retomando o contraponto à extrema-direita de Bolsonaro e Silas Malafaia, num clima que fez lembrar os estertores da monarquia no Rio de Janeiro.
Azambuja, claro, também tem seu império, mas a fotografia que estampou sua filiação é didática: sorriso amarelo ao lado de Valdemar Costa Neto, o pretenso imune de crimes eleitorais mais ilustre da República, tendo à direita o coronel Davi com camiseta que mais parecia um tapa da rua no rosto da elite do palanque, e à esquerda Edson Giroto, lembrança incômoda dos tempos de André Puccinelli, aquele mesmo que já mandou recado à la Zagallo: vocês vão ter que me engolir.
Se o cálculo era ganhar musculatura eleitoral colando no bolsonarismo, Azambuja não contava com o imponderável chamado Donald Trump. Primeiro, o tarifaço que mexeu no bolso da fazendeirama, atingindo em cheio a elite ruralista da qual ele próprio faz parte. Depois, a química inesperada entre Trump e Lula, selada nesta terça-feira na abertura da Assembleia Geral da ONU em Nova York. Se Obama já havia chamado Lula de “o cara”, agora os Estados Unidos precisam do Brasil para contrabalançar os tigres asiáticos, e de repente a reeleição de Lula, antes mera possibilidade, virou quase probabilidade matemática. Para o desespero de Jair Bolsonaro, de seus filhos e do herege pastor Silas Malafaia, que pregam em desespero o evangelho do ódio e da traição à pátria.
E o que Trump tem a ver com Azambuja? Absolutamente tudo. Porque, por mais transversal que seja o estilo de Eduardo Riedel, seu governo não chega a lugar nenhum sem ajuda de Brasília. Não é coincidência que a ministra do Planejamento, Simone Tebet, já virou figurinha carimbada nos eventos de Riedel. E é aí, como dizia meu saudoso sogro Manoel Soares Torquato, que “surge o pobrema”: ao se jogar nos braços de um bolsonarismo decadente, Azambuja não apenas complica a relação entre Riedel e Lula, mas também ameaça comprometer o último ano do atual governo sul-mato-grossense, justamente quando as engrenagens precisariam estar nos trinques para garantir a reeleição em 2026.
Gran finale: é evidente que Azambuja continua fortíssimo, quase imbatível em determinados cenários, mas a política tem sua dose de ironia cruel. Chico Buarque, que voltou às ruas arrastando uma multidão sensata neste domingo, já escreveu a trilha sonora desse momento: hoje você é quem manda, falou, tá falado, não tem discussão, não, mas a gente anda falando de lado, olhando pro chão. Você que inventou esse Estado, que ergueu seu império, que consolidou o azambujismo como método de poder, esqueceu-se de inventar o perdão. E agora, apesar de você, amanhã há de ser outro dia. Quando o galo insistir em cantar, não haverá sorriso amarelo capaz de abafar a enorme euforia que brota do chão.
