Toda obra de arte se distingue por apresentar uma visão imaginária e original do universo, não se confundindo com a representação dos fenômenos. Toda arte é única e insubstituível e contém em si uma harmonia que não é a mesma dos objetos da natureza. As obras de artes, assim como os trabalhos tecno-científicos, são assinados como produto de um certo indivíduo que vive em um determinado momento sócio-histórico. O objeto por ser metafórico nos obriga a ressalvar que o modelo científico não corresponde à analogia dos fatos concretos e a lembrar, no entanto, que grande parte do pensamento sobre o mundo se baseia em metáforas que facilitam o entendimento concreto mas, que
fazem destas uma das expressões do julgamento de valor nas ciências. Nosso trabalho de defesa do conceito “ Matogrossulense” reforça a não crença na neutralidade e possível imparcialidade da teoria científica que faz esta se aproximar do mito.
Ao contrário das questões gerais dos mitos, que encontram respostas consideradas definitivas por serem homogêneas, fechadas e resistirem aos questionamentos, nossa análise se pauta em reflexões construídas sob o signo da não definição. Portanto, nosso trabalho, como um work in progress (trabalho em progresso), se voltou, à obra de arte de Manoel de Barros, de Raquel Naveira, de Athayde Nery, de Sylvia Cesco, de Ana Maria Martinelli, de Henrique de Medeiros, do Grupo Acaba. Desta forma hoje me sinto à vontade para afirmar que percebo na obra de arte de Manoel de Barros, nas suas construções como ensaio “poético-mosaico-mestiço”, pois estas refletem as universalidades das obras dos demais artistas citados (respeitando suas individualidades e ressaltando suas universalidades), cuja percepção do olhar flagra os acontecimentos, em forma de fragmentos, que se sucedem numa sintagmática estruturada pela colagem desses, compondo uma obra, que se constrói, por sua vez, pela força desses cacos.
Portanto, neste diálogo de análise, provisório e inacabado, como em qualquer diálogo sobre arte, cultura e identidade , em que não há plenitude de certezas absolutas, observamos que a base construtiva das poéticas dos autores em estudos, se alicerçam nas simultaneidades, sobretudo na técnica da montagem e nos procedimentos barrocos e
mestiços, em que as superfícies expostas e os pontos de vista tornam-se inventário do tempo, que possui suas interfaces inscritas na paisagem pantaneira, rural – em contraste (rápido e fugaz) com a paisagem citadina (interiorana e/ou metropolitana) –, e fronteiriça constituinte do universo geográfico do extremo oeste do Brasil, em específico do Mato Grosdo do Sul e são assim obras de arte “ Matogrossulenses” .
O então enfeixamento dessas duas faces, artistas e cultura , obras e identidade local , enquanto interfaces, funcionam como na Fita de Moebius, cujo destaque é para o fato desta só ter um lado: podemos ir de um ponto de um ‘lado’ da faixa a qualquer ponto do ‘outro’ lado, através de um caminho contínuo sem nunca perfurar a superfície.
Então a faixa de moebius não tem um lado de ‘dentro’ nem de ‘fora’, somente um em que o fora é ao mesmo tempo o dentro, num processo ad infinitum representado pelo desenho da leminiscata! É assim que somos, nós que habitamos o centro geodésico do Brasil , seres em processo, como qualquer ser humano, mas imbuídos de um estado de profilaxia interiorana, matogrossense-mestiça-fronteiriça! Somos pois, de um Brasil que já foi, e é Paraguai, somos do tereré da chipa paraguaia, da saltenha, do guarani, e das profundezas culturais! Somos mais, e tanto, e com espanto e tranquilidade comemoramos 48 anos de existência e bradamos: do Sul! Ao nos identificarem Mato Grosso! Sim e mesmo sem saber, sem ter conhecimento, qualquer um de nós, seres que vivem no Sul do Mato Grosso, o termo “Matogrossulense” nos representa, faz parte do nosso existir, do nosso ser! Eu sou, nós somos!
Gicelma Chacarosqui – Pos-doc pela Universidade de Salamanca (em andamento). Pós-doc pelo ECCO, UFMT; Doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP; Mestrado em Estudos Literários e graduação em Letras Português Literatura Brasileira pela UFMS . É professora Titular da UFGD.
