Ela bate na porta de entrada da casa da avó. Empurra a primeira porta e depois uma segunda, que dá acesso à cozinha, a peça mais importante da casa, onde os encontros acontecem.
O cachorro, que tem uma das patas dianteiras quebrada, quer sair. Ela hesita em deixá-lo passar — teria que ir buscá-lo se o portão estivesse aberto e ele fosse para a rua.
Encurvada pelo tempo, a avó está lá, de pé, mexendo nas panelas. Parece menor agora, se comparada à mulher ativa e cheia de energia de quando ela era criança. Nunca parecia estressada, tinha suas verdades, era gentil com ela. Dava-lhe guaraná e chocolate — mais açúcar do que qualquer outra coisa. E depois dizia que ela estava gorda, que precisava emagrecer! Ficou viciada em açúcar. Agora, prefere a cerveja.
— Vó, já tomou o remédio?
— Já, já tomei!
— Tomou nada!
A neta sabe que a avó não gosta de tomar remédios — por isso a pergunta. Pega a cartela de comprimidos no espaço dedicado a eles, na copa da cozinha. Não viu a avó ontem, mas tem a impressão de que os mesmos comprimidos estavam lá há dois dias. Às vezes, a avó finge que toma o remédio e joga fora.
Ela veste um short jeans bem curto, como muitas moças de hoje em dia. Passou dos quarenta, tem uma filha de quinze anos. Depois de um casamento findado em pouco tempo, que lhe rendeu uma filha, e muitos namorados, ainda não encontrou a “alma gêmea”. Guardou umas gordurinhas mesmo depois da operação no estômago.
“Sou bariátrica”, ouvi alguém dizer outro dia. Sem saber o que era, perguntei: “O que é isso?”
E ela respondeu que era uma operação no estômago, o diminuindo, a fim de perder peso. Por que não uma educação alimentar, praticar esportes?
Bonita moça, ela é. Chama-se Eva. Tem os cílios realçados — postiços — como muita gente que vejo. Nada natural. Fenômeno de moda. Quando eu era jovem, a moda era usar rímel para alongar temporariamente os cílios. Tentei uma vez me embelezar com o tal rímel. Não consegui. Sempre preferi as coisas simples e naturais.
Os cílios de Eva são postiços, generosos. No passado, usavam-se apenas em festas.
Agora, por onde ando, vejo jovens — muito jovens — com esses tufos artificiais colados, que duram um dia. Há também o alongamento de cílios, feito por profissionais, com fios sintéticos ou de seda aplicados um a um aos naturais. Duram de três a seis semanas. Então, todo dia é dia de festa!
Mas isso deve levar tempo e dinheiro. As moças que vejo nas ruas não me parecem ser afortunadas. Tempo que poderia ser usado para leitura, reflexão…
— Depois diz que está com tontura! — diz Eva à avó. — Se cair, pode quebrar uma perna, um braço… e vai ter que ir pro hospital!
— Não caio, não! E não vou pro hospital!
Ela tem 95 anos. A neta não tem muitos argumentos. Abre os braços para um abraço.
- Mazé Torquato Chotil – Jornalista e autora. Doutora (Paris VIII) e pós-doutora (EHESS), nasceu em Glória de Dourados-MS, morou em Osasco-SP antes de chegar em Paris em 1985. Agora vive entre Paris, São Paulo e o Mato Grosso do Sul. Tem 14 livros publicados (cinco em francês). Fazem parte deles: Na sombra do ipê e No Crepúsculo da vida (Patuá); Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terenas; Maria d’Apparecida negroluminosa voz; e Na rota de traficantes de obras de arte.
Em Paris, trabalha na divulgação da cultura brasileira, sobretudo a literária. Foi editora da 00h00 (catálogo lusófono) e é fundadora da UEELP – União Européia de escritores de língua Portuguesa. Escreveu – e escreve – para a imprensa brasileira e sites europeus.
