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sexta-feira, dezembro 5, 2025

A Soberba como vício de origem

A política sul-mato-grossense repete o velho enredo da soberba travestida de liderança: o poder que se imagina eterno, mas termina, invariavelmente, em ressaca de votos e vaidade

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Há na política brasileira uma tendência quase genética à soberba — um vício de origem que resiste a gerações, governos e ideologias. Acreditam-se ungidos, não eleitos. O poder, que deveria servir, passa a servir-se. E essa contaminação moral é tão antiga quanto o próprio Estado brasileiro. A manifestação mais recente desse vírus apareceu semana passada nas páginas do Correio do Estado, quando noticiou que o ex-governador Reinaldo Azambuja só deve decidir em fevereiro quem será seu colega de chapa ao Senado. A manchete sugere naturalidade, como se a eleição já estivesse decidida, restando apenas escolher quem ocupará a segunda vaga — uma escolha entre príncipes, não entre candidatos. Eis o retrato da soberba: a política tratada como herança, não disputa. Mas, como a insubordinação é o combustível do ContrapontoMS — e a redundância é intencional — e como a história é um espelho insistente, vale olhar pelo retrovisor antes de acreditar em coroações precoces.

Antes de Azambuja, outros reis já reinaram em Mato Grosso do Sul. O mais emblemático foi Pedro Pedrossian, figura incontornável da política mato-grossulense três vezes governador, a primeira ainda no velho Mato Grosso, antes da divisão do Estado. Pedrossian tinha o talento e o tamanho de um estadista, mas também o pecado dos deuses: acreditava-se indispensável. Em 1978, cheguei a cantar a bola em manchete histórica de O Progresso: “Definitivamente, Pedrossian não será o primeiro governador de Mato Grosso do Sul.” Fui chamado de louco. Deu Harry Amorim Costa. Anos depois, já consagrado, ele voltaria à arena eleitoral com a confiança dos que confundem aplauso com eternidade. Num debate da TV Morena, declarou que preferia estar pescando em sua ceva no Rio Miranda — o “Touro Morto” — a estar ali discutindo o retorno ao governo. A soberba falou mais alto que o voto. O resultado: o “monstro sagrado” ficou fora até do segundo turno, que colocou frente a frente Zeca do PT e Ricardo Bacha, o ungido de outro “doutor”, Wilson Barbosa Martins, que perdeu para o petista.

Soberba que é hereditária. Dela nasceram dois “reizinhos” douradenses. José Elias Moreira, até hoje tido como o maior prefeito da história da terra de seu Marcelino, acreditou poder voltar ao cargo trazendo debaixo do braço a “Constituição Cidadã”, que acabara de assinar como deputado federal. Perdeu para Braz Melo, o azarão. Poucos anos depois, o próprio Braz cairia em tentação. Seu cetro era o CEU — o ambicioso projeto das dez escolas de tempo integral —, mas quando tentou impor Antônio Nogueira como sucessor, contrariando a lógica política, entregou de mão beijada a prefeitura a Humberto Teixeira. A lição é simples: também em Dourados, quem se acha rei termina servindo de escada para o próximo. E o maior exemplo vem daquele que é insuperável quando o assunto é soberba: Murilo Zauith, o empresário bem-sucedido que entrou na política para quebrar paradigmas, mas tropeçou nos próprios. Depois de perder a prefeitura para o petista Laerte Tetila — quando dispensou apoios dos históricos da política local —, e mais tarde para Ari Artuzi, a quem tratava com desdém por ser pobre e analfabeto, conseguiu finalmente se eleger ao usar seu poder para escolher seus adversários. Uma vez prefeito, e depois reeleito, um fiasco total.

E aqueles que saem do MS, mas a soberba não sai deles, até quando se dão bem? Nem seria o caso de citar Simone Tebet, só porque se esqueceu das bases enquanto esteve senadora, até porque existe um caso emblemático: o único matogrossulense presidente da República, Jânio Quadros, deu à história um espetáculo tragicômico de vaidade. Após Fernando Henrique Cardoso, seu adversário na disputa pela prefeitura de São Paulo, usar a cadeira de prefeito numa propaganda eleitoral, Jânio mandou desinfetá-la, antes da posse. O gesto, que pretendia exalar moralidade, revelou apenas moralismo — uma tentativa de purificação à base de álcool, como se ética se passasse com pano úmido. O castigo foi imediato, no caso, para FHC, não para Jânio. E o exótico campo-grandense, com sua verve de iluminado, ainda brindou a imprensa com uma de suas pérolas:

“Desinfeto esta cadeira porque nádegas indevidas se sentaram nela.” A soberba, no caso, foi dupla: a de FHC, por se imaginar sentado no trono antes da hora, e a de Jânio, por acreditar que a cadeira lhe pertencia por direito divino. Talvez fosse o caso de emprestar o borrifador a alguns políticos de hoje — não para limpar cadeiras, mas consciências.

Voltando ao presente, o “rei” Azambuja parece repetir o roteiro. Confunde influência com eternidade e acha que o eleitorado de Mato Grosso do Sul ainda vive sob o feitiço do poderio econômico e das manchetes convenientes. Mas basta olhar os números do TRE: das onze eleições em que esteve envolvido em Dourados, venceu apenas duas. Não é muito diferente em Campo Grande, onde a família Trad ainda ainda é soberana. São lições de humildade que ele insiste em ignorar. Enquanto seus áulicos antecipam o marketing da realeza, o povo observa — cético, vacinado, consciente de que os tronos da política sul-mato-grossense sempre tiveram prazo de validade.

No fundo, todos repetem o mesmo enredo, trocando apenas o figurino. A soberba nasce quando o verbo muda: o político deixa de estar e passa a ser. De servidor, vira dono; de representante, tutor. Mas o eleitor, esse velho conhecedor da vaidade humana, já viu essa peça demais. E sabe: quem se acredita indispensável está sempre a um passo da irrelevância.

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