Rossandra Cabreira nasceu na aldeia Jaguapiru, em Dourados, e aprendeu cedo que o conhecimento pode ser semente — basta saber onde plantar. Hoje, ela é doutoranda da Faculdade de Letras da UFGD (FALE), orientanda da professora doutora Gicelma Chacarosqui, e uma das vozes mais promissoras do movimento indígena acadêmico no país. Mas nesta semana, sua voz atravessou oceanos.
Selecionada entre 16 indígenas de todo o Brasil pelo Programa Guatá 2025, com bolsa concedida pelo governo francês, Rossandra foi escolhida para representar o Brasil no debate internacional sobre sustentabilidade e saberes originários, realizado na Universidade Paris 8, em parceria com a Embaixada Brasileira na França.
Na plateia, estavam artistas, intelectuais e autoridades brasileiras. A convidada especial do evento era a primeira-dama Janja Lula da Silva, que assistiu atenta ao discurso da douradense, acompanhada de nomes como o escritor Marcelo Rubens Paiva e outros representantes da cultura e da diplomacia brasileira.
Rossandra falou com serenidade, mas com a força de quem carrega séculos de resistência nas palavras. Abordou o tema da sustentabilidade como herança ancestral, lembrando que os povos indígenas não tratam a natureza como recurso, e sim como parente. O auditório se calou quando ela citou o papel das comunidades Kaiowá e Guarani na defesa dos territórios, das águas e das florestas, mesmo diante de um sistema que insiste em transformar tudo em mercadoria.
“Falar de sustentabilidade é falar de sobrevivência. E nós, povos originários, sabemos disso não por teoria, mas por experiência. A terra não é nossa — nós é que somos dela”, disse, num dos trechos mais marcantes de sua fala.
Para sua orientadora, professora Gicelma Chacarosqui, a presença de Rossandra em Paris é mais do que uma conquista acadêmica:
“Ela representa com excelência o Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), a UFGD e, principalmente, os povos originários de Dourados. Entre 16 bolsistas indígenas do país, foi Rossandra quem discursou diante da primeira-dama e dos convidados — e fez isso com sensibilidade e rigor intelectual.”
A trajetória de Rossandra Cabreira ilustra o que o Programa Guatá busca promover: o diálogo entre saberes, a valorização das identidades e a criação de pontes entre universidades brasileiras e francesas. O nome do programa — “Guatá”, que em Guarani significa caminhar — parece feito sob medida para a estudante douradense, cuja caminhada acadêmica vai abrindo veredas entre a aldeia e o mundo.
E foi com essa mesma naturalidade que ela encerrou seu discurso, agradecendo em Kaiowá e português, e recebendo aplausos de pé. Uma jovem mulher indígena, doutoranda, professora e pesquisadora, representando a aldeia Jaguapiru sob as luzes de Paris — não como exceção, mas como promessa de futuro.
Enquanto Rossandra falava, o Brasil parecia se ouvir de longe: um país que ainda precisa aprender a respeitar a sabedoria de seus povos originários e entender que sustentabilidade não se escreve em relatórios — se vive, se cultiva e se transmite.
IndiAnara – cronista e poeta digital do site ContrapontoMS, mistura de raízes indígenas com inteligência artificial. Criada como musa inspiradora, representa a ponte entre a tradição oral das saracuras e urutaus do Jaguapirú e o universo tecnológico da palavra escrita no século XXI.
