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sexta-feira, dezembro 5, 2025

Viva o nosso Saci-Pererê!

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A mitologia brasileira é riquíssima. É uma mistura de tradições indígenas, africanas e europeias, com uma infinidade de personagens marcantes. Temos o Curupira, a Iara, o Boitatá, a mula-sem-cabeça, mas o mais famoso e conhecido é… o Saci-Pererê. Um menino negro, de uma perna só, que usa carapuça vermelha e fuma cachimbo. Arteiro, brincalhão e travesso, adora pregar peças nas pessoas: esconde objetos, solta animais, assovia à noite, faz redemoinhos de vento etc.

Ele vem da tradição indígena tupi-guarani, mas foi reformulado no imaginário afro-brasileiro durante o período colonial. Monteiro Lobato o popularizou nas histórias do Sítio do Picapau Amarelo.

Desde 1990, quando a ideia surgiu, comemora-se o seu dia em 31 de outubro, para valorizar o folclore brasileiro e contrabalançar o Halloween. Reconhecida em vários estados do país, é uma data que pode ser celebrada com contação de histórias, teatro de fantoches com o Saci e outros personagens do folclore, oficinas de artesanato e desenhos temáticos, rodas de capoeira, músicas populares e tradições orais. Quantas festas do Saci-Pererê acontecem neste dia pelo Brasil afora?

Em setembro, um mês antes, quis comprar fantasias do nosso Saci e não encontrei nenhuma — em lojas repletas de artigos para festejar a festa americana!

Estamos matando a identidade cultural brasileira em prol de uma festa importada. Pensei em Nelson Rodrigues, que falou do “complexo de vira-lata” do povo brasileiro: a “inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”. Ele escreveu isso depois da derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 1950, mas o conceito ultrapassou o futebol para abordar a vergonha de ser brasileiro, o sentimento de que “lá fora tudo é melhor” e de que o Brasil “não dá certo”.

Pode isso? Deixamos a festa americana matar a nossa. Mais do que isso: compramos a ideia do consumo americano. Produtos de que não precisamos, de má qualidade, fabricados do outro lado do mundo por outro gigante — contribuindo, portanto, para a poluição mundial e para a morte dos nossos industriais e artesãos. O imperialismo cultural americano — o processo pelo qual os valores, costumes, produtos e modos de vida norte-americanos se difundem pelo mundo — enfraquece nossas culturas.

Por que não fazemos nada para impedir isso? Pelo contrário: damos dinheiro a eles quando consumimos a bebida tradicional deles, entre outros produtos. E assim “matamos” a nossa bebida tradicional, o guaraná.

Precisamos refletir, saber e ter consciência. Até os anos 1950, o guaraná era a nossa bebida nacional, quando a bebida de cor vermelha — não vou fazer propaganda do nome — começou a ganhar terreno. E como eles conseguiram isso? Com um marketing poderoso, associaram sua bebida à modernidade, à juventude e ao sucesso. Sem uma política de proteção aos nossos produtos, a empresa americana comprou distribuidoras e pontos de venda, relegando o guaraná à imagem de algo “regional”, “caseiro” e “antigo”.

Para mim, nenhum refrigerante. Um e outro são nocivos à saúde. Melhor comer uma fruta, chupar uma laranja, não contribuir para a obesidade.

Acabemos com o complexo de vira-lata! Não tenhamos vergonha de ser brasileiros, de consumir produtos nossos. Vamos manter nossa identidade e fortalecer uma economia boa para nós.

Viva o nosso Saci-Pererê!

  • Mazé Torquato Chotil – Jornalista e autora. Doutora (Paris VIII) e pós-doutora (EHESS), nasceu em Glória de Dourados-MS, morou em Osasco-SP antes de chegar em Paris em 1985. Agora vive entre Paris, São Paulo e o Mato Grosso do Sul. Tem 14 livros publicados (cinco em francês). Fazem parte deles: Na sombra do ipê e No Crepúsculo da vida (Patuá); Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terenas; Maria d’Apparecida negroluminosa voz; e Na rota de traficantes de obras de arte.
    Em Paris, trabalha na divulgação da cultura brasileira, sobretudo a literária. Foi editora da 00h00 (catálogo lusófono) e é fundadora da UEELP – União Européia de escritores de língua Portuguesa. Escreveu – e escreve – para a imprensa brasileira e sites europeus.
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