Estava tudo correndo às mil maravilhas. O bolsonarismo continuava a assustar o Brasil com sua maré direitista, Lula ladeira abaixo nas pesquisas, e a tão decantada transversalidade do governo Riedel — herança polida do azambujismo — se apresentava como a fórmula perfeita do poder sem susto.
O enredo estava pronto: Riedel reeleito, Azambuja com o terno já encomendado para a posse no Senado e outro reservado, no mesmo alfaiate, para algum aliado fiel por ele imaginado para dividir a bancada do Mato Grosso do Sul na casa de Ruy Barbosa com Tereza Cristina, a “rainha dos agrotóxicos”. Nos planos dos neoliberais, seria uma bancada ruralista de fazer inveja à FPA — a Frente Parlamentar da Agropecuária — e, de quebra, uma chance de “colocar Xandão & Cia. nos devidos lugares”.
Mas a política, como sempre, não respeita roteiro. A Polícia Federal de Lula foi mais ligeira que a de Bolsonaro, e o punhal verde e amarelo do golpismo, felizmente, não saiu dos mapas dos estrategistas do mito agora presidiário, evitando que Lula, seu vice Alckmin e o próprio ministro Alexandre de Moraes passassem pelo que Bolsonaro passou em Juiz de Fora (MG) para garantir a eleição, em 2022.
Além de mais quatro anos já garantidos para Eduardo Ridel no Parque dos Poderes, o “rei” Azambuja, já discursando como senador eleito, e levando mais um companheiro de chapa para Brasília, viu a maré virar, e o efeito Bananinha — aquele mesmo, patrocinado por Eduardo Bolsonaro — desandar a coreografia do império bolsonarista. A pá de cal veio com o improvável: poucos segundos foram suficientes para que surgisse uma química entre Donald Trump e Lula, no encontro relâmpago na sede da ONU em Nova York. Depois, lá estavam eles de novo, dividindo a mesma moldura na Malásia, coisa que nem o maior dos marqueteiros brasileiros, Duda Mendonça, se tivesse vivo, teria tido a capacidade de programar. E o sonho dourado de enterrar o L-4, o projeto de reeleição de Lula, foi pro espaço.
A consequência disso tudo, o imponderável, também no Mato Grosso do Sul. Primeiro, com a filiação de Fábio Trad, o irmão mais cerebral do clã do saudoso Nelson Trad, jurista e deputado de verbo afiado e cabeça pensante, que chamou a atenção do próprio Lula, disposto a tê-lo de volta em sua tropa de elite contra os “trezentos picaretas” do Centrão. Agora, o assanhamento milimetricamente calculado de Simone Tebet, ministra do Planejamento, que recusou o convite de Geraldo Alckmin para ser candidata por São Paulo, preferindo reafirmar seu domicílio eleitoral matogrossulense.
A decisão dela — permanecer no MDB e disputar em casa — soou como trovão em céu de brigadeiro. O governador Eduardo Riedel, percebendo o tamanho da encrenca, iniciou às pressas uma reforma administrativa, justamente pela Casa Civil, reduto de Eduardo Rocha, marido da ministra. No lugar dele, o douradense Walter Carneiro Filho. Coincidência? Aqui, isso é sinônimo de cálculo.
Agora, o castelo do azambujismo range nas dobradiças. De um lado, Tebet, com prestígio nacional, benção presidencial e discurso arejado. Do outro, Fábio Trad, com moral, palavra e apetite político renovado. Ambos fora da órbita do Parque dos Poderes, ambos prontos para disputar terreno terreno na capital e amassar barro no interior.
E o império que parecia eterno, de repente, precisou olhar pro chão — e perceber que esse chão também se move. O reinado de Azambuja, construído em alianças e repasses, descobre o gosto amargo do tempo: o poder, quando se acomoda, cria ferrugem.
“O problema do rei”, diria outro cronista, “é achar que o trono vem com garantia estendida.” O jogo virou, e o imponderável — essa entidade sempre subestimada — decidiu fazer campanha em Mato Grosso do Sul.
