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sábado, dezembro 6, 2025

Argentina e Paraguai enquadram CV e PCC como grupos terroristas e fomentam discurso da direita

Governo Lula, por outro lado, cita riscos à soberania e de intervencionismo dos EUA para evitar equiparação; países vizinhos oscilam sobre a aplicação

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O anúncio dos governos da Argentina e do Paraguai de que vão classificar facções criminosas brasileiras como “grupos terroristas” vem alimentando o discurso de parlamentares de direita, que planejam uma ofensiva semelhante no Congresso brasileiro. O movimento gerou preocupação de aliados do governo Lula, que veem a possibilidade de brechas para intervenções dos Estados Unidos.

Em países vizinhos da América do Sul, a atuação dos EUA contra grupos do crime organizado sob pretexto de combate ao terrorismo vem despertando críticas de governos como Colômbia, Chile e Venezuela — alguns deles, no entanto, usam essa classificação para grupos internos.

Na sexta-feira (31), em entrevista à rádio paraguaia ABC Color, o ministro da Defesa do país, Óscar González, afirmou que a classificação de Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) como grupos terroristas daria “respaldo jurídico” para as Forças Armadas do Paraguai agirem contra essas organizações, especialmente na fronteira com o Brasil. O presidente do Paraguai, o direitista Santiago Peña, usou suas redes sociais para dizer que vai “avançar com a declaração” dessas facções como “terroristas”.

A ação paraguaia veio na sequência de um movimento semelhante da ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich. Na quarta-feira, dia seguinte à megaoperação que deixou 121 mortos no Rio, Bullrich anunciou o reforço de tropas na fronteira com o Brasil e referiu-se às facções brasileiras como “narcoterroristas”. Bullrich é uma das principais conselheiras do presidente argentino Javier Milei, que tem se alinhado ao governo dos EUA para tachar desta forma outros grupos que atuam no tráfico de drogas.

A classificação é vista como o principal pretexto para os bombardeios ordenados pelo presidente americano Donald Trump contra embarcações na costa da Venezuela, sob alegação de que transportam drogas ilícitas. Em agosto, Milei seguiu o governo Trump e classificou como “organização terrrorista” o Cartel de Los Soles, entidade que os EUA acusam de ser vinculada ao ditador venezuelano Nicolás Maduro. Outros países com presidentes de direita, como Paraguai e Equador, também a adotaram.

No Brasil, a oposição a Lula pretende avançar na Câmara com um projeto que enquadra como terroristas os grupos que imponham “domínio ou controle de área territorial”. O texto, assim, abarcaria facções como CV e PCC. A proposta deve ser relatada pelo deputado licenciado Guilherme Derrite (PP-SP), atual secretário estadual de Segurança no governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que é cotado como candidato à Presidência em 2026.

Em reação, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou nesta sexta que a classificação de facções como terroristas busca “colocar o Brasil no radar do intervencionismo militar de Donald Trump na América Latina”. “Segurança pública é uma questão muito importante, que não pode ser tratada com leviandade e objetivos eleitoreiros”, escreveu em uma rede social.

Na mesma toada, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou que a “equiparação do crime organizado ao terrorismo” comprometeria a “soberania nacional”.

Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, engrossaram o coro por essa equiparação. Nas redes, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que o país iria “ficar para trás do Paraguai”. Já o americano Martin de Luca, interlocutor de Bolsonaro e advogado de uma rede social de Trump, afirmou que os EUA já propuseram ao Brasil uma “parceria” para classificar CV e PCC como terroristas, e assim “liberar todo a força das ferramentas de contraterrorismo” do governo americano.

Aumento de penas

Em setembro, no discurso que antecedeu sua “química” com Trump, o presidente Lula afirmou que considerava “preocupante a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo”. Na ocasião, Lula argumentou que os países deveriam ter “cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas”, e criticou a hipótese de “intervenções” externas na segurança.

— Outras partes do planeta já testemunharam intervenções que causaram danos maiores do que se pretendia evitar, com graves consequências humanitárias — afirmou o presidente na Assembleia Geral da ONU.

O projeto apoiado pela bancada bolsonarista busca enquadrar as facções criminosas na Lei Antiterrorismo, de 2016. Esta lei prevê pena máxima de 30 anos para grupos que cometam “atos de terrorismo”, o que supera as penalizações previstas na Lei de Drogas, que vão até 20 anos.

O advogado criminalista Pierpaolo Cruz Bottini também observa que o texto discutido na Câmara avança na possibilidade de punição, quando comparada à atual legislação sobre narcotráfico. Isso porque a Lei Antiterrorismo enquadra condutas anteriores à execução do crime em si.

— O projeto permite a punição de meros atos preparatórios, e a investigação antes do início de qualquer prática criminosa — disse o jurista.

Para alguns analistas, porém, o enquadramento das facções na lei de terrorismo poderia, em tese, deixar o governo federal como responsável por ações ostensivas contra esses grupos — hoje essa tarefa é dos governos estaduais, que resistem a abrir mão desta primazia. Integrantes da bancada bolsonarista, no entanto, afirmam que o relatório de Derrite fará ajustes no texto para manter o protagonismo das forças de segurança dos estados.

— O projeto manterá a atribuição da Polícia Civil. Na minha leitura, a principal alteração (com a nova classificação das facções) vai ser sobre o impacto americano — avaliou o presidente da Comissão de Segurança da Câmara, Paulo Bilynskyj (PL-SP).

O governo dos EUA já classifica como “organizações terroristas internacionais” uma série de facções sulamericanas do narcotráfico, como o venezuelano Tren de Aragua e os equatorianos Los Choneros e Los Lobos.

Como cada país trata o tema

Brasil – Em discurso feito durante a Assembleia Geral da ONU, no mês de setembro, o presidente Lula disse que era “preocupante” a equiparação entre a criminalidade e o terrorismo, e sugeriu que ela poderia abrir brecha a “intervenções” de outros países.

Argentina – Sob o governo do direitista Javier Milei, o país vizinho anunciou que vai passar a classificar o Comando Vermelho como organização terrorista, após a megaoperação desta semana no Rio de Janeiro, ocorrida nos complexos de favelas do Alemão e da Penha.

Paraguai – O presidente de direita Sebastian Peña editou um decreto para classificar o Comando Vermelho e também o PCC como terroristas. Neste ano, assim como a Argentina, o país adotou a mesma classificação para o Cartel de Los Soles, alvo dos EUA na Venezuela.

Colômbia – O presidente Gustavo Petro, de esquerda, acusou Donald Trump de usar o discurso de combate ao narcoterrorismo como “desculpa para derrubar governos”. Por outro lado, Petro já defendeu que outros países classifiquem como “terroristas” alguns cartéis paramilitares colombianos, como o Clã do Golfo.

Venezuela – Acusado pelos EUA de chefiar o Cartel de Los Soles, sancionado pelo governo americano como “grupo terrorista transnacional”, Nicolás Maduro costuma classificar grupos colombianos como “Tancol”, sigla para “terroristas armados narcotraficantes”. Ele já se referiu à facção venezuelana Tren de Aragua como “terrorista”.

Chile – À esquerda no espectro político, o presidente chileno Gabriel Boric já mostrou resistência em classificar grupos como “narcoterroristas”, discurso usado por lideranças da direita chilena contra grupos indígenas radicais.

Bolívia – O presidente eleito Jorge Paz, de direita, cobrou maior controle de fronteiras no país para “evitar a entrada de estruturas criminais” do Brasil, como o Comando Vermelho e o PCC. Mas ele não se referiu às facções como grupos terroristas.

Equador – Após uma crise de segurança em 2024, o presidente direitista Daniel Noboa classificou diversas facções equatorianas como “terroristas”. No mês passado, Noboa firmou acordo com os EUA para combater no país dois desses grupos, Los Lobos e Los Choneros, também listados por terrorismo pelo governo americano.

Bernardo Mello/O Globo — Rio de Janeiro

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