Há personagens na política que parecem feitos para o bastidor — vozes que se ouvem, mas raramente se veem. Waltinho Carneiro sempre foi um desses nomes: o estrategista discreto, o operador de confiança, o “carregador de piano” de governadores e candidatos que hoje o têm como uma das peças mais centrais da engrenagem de poder em Mato Grosso do Sul.
Douradense de berço e herdeiro de uma linhagem política que remonta aos tempos de Wilson Benedito Carneiro e Benedito Guaicuru, Waltinho ascendeu à Casa Civil como quem troca o motor da política sem desligar o carro. O momento é sensível: o Estado vive um ciclo de crescimento econômico notável, mas o xadrez da sucessão já se movimenta, e a reeleição de Eduardo Riedel aparece como o grande projeto de coesão do grupo que ele hoje articula.
Nesta entrevista ao CONTRAPONTOMS, Waltinho equilibra memória e pragmatismo. Fala de Murilo Zauith e Reinaldo Azambuja com a serenidade de quem os ajudou a atravessar crises; trata do presente com o senso técnico de quem entende o peso institucional da Casa Civil; e, como bom douradense, encerra com um chamado à união — o eterno sonho de ver a “terra de Marcelino” finalmente ocupando o protagonismo político que há décadas lhe escapa.
Entre o “bombeiro da política” e o articulador do poder, Waltinho Carneiro revela, nesta conversa franca, que o centro do tabuleiro agora é também o seu lugar.
Exceto quando presidente da Sanesul e secretário de Fazenda da prefeitura de Dourados, sua atuação sempre foi nos bastidores, com destaque no trabalho de coordenação de campanhas eleitorais. Agora, como chefe da Casa Civil, a reeleição do governador Eduardo Riedel é o seu maior desafio?
Caro Valfrido, nasci em Dourados em um ambiente eminentemente político — você testemunhou e é memória da trajetória da minha família. Nosso precursor, meu tio Wilson Benedito Carneiro, deixou Cuiabá na década de 1940, vindo para Dourados, e aos poucos trouxe quase todos os 12 irmãos. Nessa trajetória, tive tios que exerceram mandatos de vereadores, prefeito, deputado federal, e meu pai ocupando os cargos que todos já conhecem.
Milito na advocacia desde 2000, tenho duas graduações, duas pós-graduações e várias especializações (FDC e ENAP). Esse acúmulo de vivência e experiência penso que ajuda bastante.
Agora, sem dúvida, a confiança depositada em mim pelo governador Eduardo aumenta minha responsabilidade na construção de um bom ambiente para sua reeleição — desafio que recebo com muita fé em Deus e convicção de que Mato Grosso do Sul vive seu melhor momento de desenvolvimento.
Mesmo com esses dois cargos executivos e tendo disputado uma eleição para a Câmara Federal, o Waltinho sempre foi visto como o “carregador de piano” — de Murilo Zauith, principalmente, e agora de Riedel e Azambuja. Vai dar para continuar acumulando essa “função” com a burocracia oficial?
Trabalhei por mais de 20 anos com o amigo Murilo — anos de muito aprendizado, lealdade e gratidão. Também não foi diferente com o governador Reinaldo: desde sua eleição de deputado federal em 2010, sempre estivemos juntos.
Me aproximei muito do governador Eduardo enquanto secretário de Estado — fizemos gestão juntos, eu na presidência da Sanesul e ele como secretário de Governo e depois de Obras. Essa trajetória me deu muita experiência para colaborar tanto no processo de gestão administrativa quanto no projeto político-eleitoral. O tempo me capacitou para isso.
Além de “carregador de piano”, por sua habilidade, sempre foi visto como o bombeiro da política. O incêndio mais difícil de apagar foi o provocado pela tentativa do então vice-governador Murilo Zauith de atropelar o processo da sucessão de Reinaldo Azambuja, quando, inclusive, foi demitido do cargo de secretário de Infraestrutura do Estado?
O Murilo foi vice-governador por duas oportunidades e serviu ao Estado com muito comprometimento e trabalho. No primeiro ano de mandato (2019) do governador Reinaldo, acumulou o comando da Secretaria de Infraestrutura — um ano muito difícil. Se você relembrar, foi o ano das grandes reformas que o Estado fez: a administrativa, previdenciária e tributária.
O Estado não tinha dinheiro para investimentos, e as dificuldades foram muito grandes. Existia um descompasso entre a vontade de realizar e a possibilidade financeira de executar. Por essa razão, naquele momento, o próprio Murilo pediu para deixar a secretaria, mantendo sua atuação como vice-governador.
(Interrompendo) Sim, porque ali houve um rompimento político, depois eles fizeram as pazes. Sua influência junto a Zauith ajudou nesse processo?
Tenho muito respeito e amizade por ambos, e na política o diálogo tem que ser permanente e restabelecido a todo momento. Já dizia Vinicius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”
A propósito, comenta-se nos bastidores que uma das condições impostas por Zauith à época foi ser candidato a suplente de senador de Azambuja em 2026. Procede?
Não tive a oportunidade de participar dessa conversa, então não posso afirmar se isso procede. Mas acho que seria uma ótima oportunidade de fortalecer a representatividade da grande Dourados no cenário político estadual.
Antes do suplente, essa história de escolher, por meio de uma pesquisa em fevereiro, o companheiro de chapa do ex-governador para a segunda vaga ao Senado não está mais para conto da carochinha?
Em toda discussão política de que tenho participado, com partidos e atores que pretendem disputar o Senado, o tempo de definição vai um pouco mais além — estende-se até a data da janela partidária. Por uma única razão: é somente neste período que as mudanças partidárias serão permitidas para quem está no mandato de deputado.
As pesquisas de fevereiro refletirão o momento pós-Carnaval, quando efetivamente as coisas começam a se definir. Então digo a você que essa definição vem só depois “das águas de março”.
(Interrompendo de novo) Fala-se inclusive que o ungido seria o secretário da SEMADESC, Jaime Verruck…
O Jaime é um nome de destaque no governo. Tive a honra de servir como seu adjunto por dois anos (2022/2023). Fui conselheiro do SEBRAE, do FCO e do CECA.
Tive muita oportunidade de fazer gestão e conhecer, por outro ângulo, o setor industrial de Mato Grosso do Sul, que cresce muito. Há mais de dez anos nosso Estado cresce mais de 5% ao ano — um show de desenvolvimento, que tem como um dos condutores principais o Jaime Verruck.
Ele já colocou seu nome para a disputa eleitoral em 2026 e, como ele mesmo diz, “desta vez não vai amarelar”.

Além dele, o presidente da Assembleia, Gerson Claro, corre por fora com um substancioso apoio político…
Toda pretensão de candidatura é legítima e deve ser construída dentro de uma base eleitoral, de um partido político e do segmento que a pessoa representa. O deputado Gerson Claro vem se destacando de forma muito positiva na condução do poder legislativo — é um nome de destaque e tem potencial político muito forte pela frente.
E como fica a situação do “aliado de primeira hora” Nelsinho Trad, que busca a reeleição?
Ele tem ainda mais legitimidade para buscar sua reeleição, pois está no mandato. Político experiente, com vários mandatos e grande atuação em Brasília, é presidente de um partido, o PSD, que tem o vice-governador Barbosinha, e que saiu muito fortalecido das últimas eleições.
O partido tem vários presidenciáveis em seus quadros. Com certeza, o Nelsinho também tem uma candidatura muito competitiva.
Waltinho Carneiro, filho do único “douradense” (um cuiabano Benedito Guaicuru… de Caneta, Chapa e Cruz… Maltino, conforme o livro de Edson Moraes) presidente da Assembleia Legislativa, quero fazer agora um desafio ao novo chefe da Casa Civil do governo do Mato Grosso do Sul: e essa história do governador ou do senador de Dourados?
Uma legítima pretensão, que cresci ouvindo o clamor dos douradenses por isso — clamor esse nunca ouvido pela classe política da cidade, com exceção das candidaturas do meu tio Zé Elias a governador e, também competitivos, do Murilo e do Totó Câmara a senador, que encararam o desafio em seus momentos.
Na minha modesta opinião, falta desprendimento, projeto e união. Se os mandatários de plantão, ao longo da história, tivessem a resiliência e a sabedoria de sentar-se todos à mesa, cada um com sua pretensão dentro de um projeto para a grande Dourados, esse sonho já teria se transformado em realidade.
Porém, até hoje, não vi isso ocorrer. Os anos passam e cada um, em seu momento, tem uma única preocupação maior: “puxar brasa somente para sua sardinha”.
Mais uma perguntinha “incômoda”. Como fica, agora, depois da filiação de Azambuja ao PL, a “senadora” douradense da cozinha do Bolsonaro, Gianni Nogueira? Vai guardar de recordação as gravações de apoio do “mito”?
A vice-prefeita Gianni é uma bela revelação da política. Dourados ganha muito com sua inserção no cenário estadual. Ela tem uma identidade muito forte com a pauta da direita conservadora e, com certeza, terá uma carreira política muito propositiva.
O Partido Liberal já tem um candidato a senador definido, que é o ex-governador Reinaldo Azambuja. Cabe a ela construir as condições necessárias para viabilizar seu nome nessa composição.
Gianni Nogueira, vice-prefeita de Dourados, lembra Marçal Filho. Como andam as relações entre o prefeito e o governo?
Muito boas — parceria forte e efetiva, com o governo realizando muitas entregas para a cidade. Prova disso foi a agenda do governador Eduardo na última segunda-feira em Dourados (aliás, não te vi por lá!).
O governador e o Marçal, acompanhados de quase todos os vereadores, da ministra Simone, do senador Nelsinho, de vários deputados federais e estaduais, e ainda de algumas dezenas de prefeitos da região, entregaram à população a Policlínica Cone Sul — um dos aparelhos que integram o complexo do Hospital Regional, que já teve também anunciada sua entrega para o dia 20 de dezembro.
Um presente que o governador Eduardo definitivamente entrega para toda a grande Dourados.
E com o Azambuja? É que há informações de alguns ruídos…
Só se forem ruídos semânticos! O Reinaldo trabalha muito forte pela reeleição do governador Eduardo — é incansável na construção política que faz. É um líder que atua a todo momento.
Agora, por exemplo, quando caminhamos para as definições partidárias, o trabalho tem sido feito no dia a dia, em busca de fortalecimento das chapas proporcionais dos partidos que estarão juntos conosco neste projeto de reeleger o governador Eduardo e eleger o Reinaldo senador.
Falando em ruídos, como o establishment estadual vem administrando a também pretensa candidata ao Senado, Isa Marcondes — ora apoiadora, ora opositora ferrenha, batendo doído, principalmente na sua tão cara Sanesul?
A vereadora Isa é um fenômeno eleitoral. A população de Dourados viu nela uma voz que ecoa os problemas da periferia da cidade.
Ela foi campeã de votos porque anda muito e sabe traduzir isso na linguagem das redes sociais. O trabalho de fiscalização é inerente à sua função. Críticas propositivas sempre são muito bem-vindas a qualquer administração.
Ela me disse que quer ser candidata a deputada estadual pelo seu partido, o Republicanos, e, como já disse, toda pretensão de candidatura é muito legítima.
Aliás, numa reunião no gabinete do governador, o deputado Zé Teixeira se referiu a ela como futura deputada estadual…
Veja só — se o deputado Zé Teixeira, com toda a sua experiência, já enxerga essa possibilidade, demonstra que ela está no caminho certo.
Até as convenções partidárias tudo se ajeita. O importante é todos estarem imbuídos no projeto de manter o crescimento do nosso Estado, reelegendo o governador Eduardo.
Simone Tebet — a nossa querida e perfumada ministra do Planejamento, mulher de seu antecessor na Casa Civil, o emedebista Eduardo Rocha — agora se assanhando como possível candidata do presidente Lula ao Senado. Quem sabe até a governadora. Como se diz lá na Comunidade Santa Felicidade: “cumé que faz?”
A ministra Simone se destaca no trabalho que faz — tem uma lealdade canina ao presidente Lula. Sendo ou não partidário do atual governo federal, temos que reconhecer isso.
Quando se analisa o trabalho dos atuais ministros (e não são poucos), o trabalho técnico da Simone é muito bem avaliado.
Penso eu que ela está hoje inserida na discussão política do cenário nacional. Conversando com alguns de seus interlocutores, é muito forte a intenção dela de se viabilizar candidata a vice-presidente do Lula.
Se isso não acontecer, várias são as outras alternativas — inclusive não ser candidata a nada e terminar como ministra.
Candidata a governadora de Mato Grosso do Sul em 2026, tenho certeza de que não será.
Os ventos voltando a soprar favoravelmente ao presidente Lula, tido como já reeleito pela dupla Bolsonaro-Trump. Isso assusta, até pelo fator Simone?
O que os partidos ditos de centro-direita têm que fazer urgentemente é definir um nome para a disputa. Enquanto isso não é feito, fica só a opção soberana do Lula presidente.
Sou da opinião de que radicalismo e extremos não são uma boa opção para a democracia brasileira.
Recentemente, relatei isso em um artigo — que você mesmo publicou — “O Maluco Favorito”. É só resgatar lá o que penso.
Pra fechar — e pra não dizer que não falei do Barbosinha. Corre à boca pequena que haveria um compromisso de o próximo vice-governador ser do MDB de Puccinelli…
Barbosinha é um bom vice-governador — representa com excelência Dourados no governo, é leal, preparado e extremamente competente nas determinações que lhe são delegadas pelo governador Eduardo.
Não existe esse compromisso com o MDB. O que deve existir — e fica aqui como reflexão e desabafo — é a preocupação para nós, douradenses, de que mais uma vez a representatividade de Dourados pode se apequenar.
Como respondi anteriormente, os partidos políticos, os mandatários e a sociedade civil organizada têm que se unir para fortalecer a representatividade da grande Dourados no governo.
Hoje temos um vice; amanhã, talvez, nem isso tenhamos. A união de forças é que cria a condição de termos candidatos a governador, vice, senador — e se ainda não temos, está faltando essa iniciativa.
Quem será o timoneiro desse processo? Quem será nosso grande líder?
Como douradense que sou, está na hora de alguém da nossa terra de Marcelino Pires reencarnar José Bonifácio de Andrada e Silva e capitanear o processo de nossa emancipação política.
