Há puxões de orelha que soam mais como sermão, e há os que soam como espelho. O do chefe da Casa Civil, Waltinho Carneiro, à classe política de Dourados, parece caber nas duas molduras. Soou como advertência, mas refletiu, sobretudo, um incômodo antigo: o vazio de liderança que há anos ronda a segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul.
A entrevista de ontem de Waltinho aqui no ContrapontoMS — e que repercutiu pela serenidade com que desviou das armadilhas da pauta — mostrou um político que sabe onde pisa. Ao ser provocado sobre o passado turbulento de seu antigo chefe, Murilo Zauith, o ex-todo-poderoso vice-governador e secretário de Infraestrutura do governo Azambuja, Waltinho preferiu a elegância à revanche. Disse, com a parcimônia de quem já entendeu o peso das palavras, que Zauith preferiu se demitir diante das dificuldades de conciliar seu ambicioso projeto de poder com a exiguidade orçamentária do Estado.
Traduzindo: Zauith tentou fazer voo solo e o combustível acabou antes da decolagem. Waltinho, por sua vez, ficou no solo firme — e subiu pela escada certa.
Mas foi na admoestação às lideranças de Dourados que o agora chefe da Casa Civil cravou o prego no caixão da autocomplacência regional. Disse, com todas as letras: “Os partidos políticos, os mandatários e a sociedade civil organizada têm que se unir para fortalecer a representatividade da Grande Dourados no governo. Hoje temos um vice; amanhã, talvez, nem isso tenhamos.”
Dourados, que sonhou tantas vezes em parir um governador ou um senador próprio, virou personagem de sua própria frustração. Enquanto Reinaldo Azambuja, que foi duas vezes prefeito de Maracaju antes de se eleger duas vezes governador, construiu sua trajetória política em torno da vizinha próspera, a política douradense seguia se olhando no espelho rachado do ressentimento. Tamanha era a ausência de lideranças que se chegou a cogitar transferir o título eleitoral de Azambuja para Dourados, num projeto que faria da terra de seu Marcelino um trampolim dele para o governo. Mas Azambuja, que só tem a cara de bobo, preferiu transferir o domicílio eleitoral para Campo Grande, onde nasceu e tentou, sem sucesso, ser prefeito.
Agora, o que sobra é a pergunta que Waltinho deixou suspensa no ar — e que vale mais que qualquer discurso:
Quem será o timoneiro douradense para a retomada desse processo? Quem será o nome capaz de fazer Dourados deixar de ser apenas a capital das queixas, como diz sempre o maior guru político do estado, João Leite Schmidt, e voltar a ser um projeto de poder?
Porque o que Waltinho disse, com voz mansa e olhar de quem já fez as contas, é que o futuro político da região não será obra de coincidências — mas de coesão.
E talvez esse seja o mais duro dos recados. Nem Azambuja, nem Zauith, nem Waltinho.
O vazio de liderança em Dourados não é falta de nomes — é falta de rumo.
Waltinho não disse, mas deve ter pensado. Além dele próprio — e o sangue do Carneirão que corre nas veias não o deixa mentir, filho de um dos políticos mais sensatos e inteligentes que o Mato Grosso do Sul já teve — talvez o vice-governador Barbosinha pudesse ocupar esse papel. Mas há tantos com a mão no tapete de sua vice-governança que, pela lógica natural da política, a bola parece estar com Marçal Gonçalves Leite Filho. Credenciais, o prefeito tem; só falta decidir se vai chutar a gol — e com coragem. Pode até ser com “cavadinha”, só não pode ser como a do corinthiano Yuri Alberto.
