As eleições desta terça-feira (4) foram um referendo pontual do governo Trump, mas não permitem afirmar o que gostariam os saudosos das postulações presidenciais do senador Bernie Sanders, o antigo esquerdista que abençoou Mamdani, acerca da fórmula para derrotar o republicano.
Antes de tudo, cabe lembrar o óbvio: Trump não ganhou na cidade, em Virgínia e Nova Jersey, foco das disputas da terça, em 2024.
Começando por Nova York, a cidade não são os EUA, assim como São Paulo capital não é o Brasil. Desde o trauma do 11 de setembro de 2001, ela elegeu um magnata, um esquerdista e um ex-policial ligado ao lobby imobiliário. Agora, um novato socialista desconhecido.
A campanha de Mandami capturou a energia anti-Trump que já havia sido vista no protesto do dia 18 de outubro, quando milhões marcharam pelos EUA contra o presidente, 100 mil deles em Nova York.
Na base de um voluntariado que ecoou a chegada de Barack Obama ao poder no pleito de 2008, o democrata apresentou uma plataforma de propostas demagógicas que beiram o irrealizável. Ótimo para eleição, mas duvidoso ante a realidade.
As promessas habitacionais e de taxação de Mamdani serão cobradas, com o risco bastante razoável de seu eleitorado sair frustrado por fracasso ou modulação, ainda mais com a possibilidade de Trump abrir sua caixa de ferramentas, cortando repasses como já prometeu e talvez arriscando um embate na segurança.
Um eventual momento “Guarda Nacional nas ruas” do republicano pode ser, no fundo, desejado pelo prefeito eleito. Nada como manter a chama da polarização acesa para ganhar fôlego e tempo, como Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) demonstram no Brasil.
Isso dito, Mamdani apresenta uma solução para um Partido Democrata que luta pela ausência de rumo e liderança desde que Obama foi ganhar dinheiro com palestras. A fórmula remonta ao movimento Occupy Wall Street que amava Sanders lá por 2011, a ideia de rompimento com o tal “sistema” num país que o encarna.
É voluntarioso e apela aos jovens, como de resto ocorre em outros países com suas revoltas da geração Z, cujo denominador é apenas a negação. Ampara a tática o fato de que os americanos, segundo pesquisa Ipsos da semana passada, acham que tanto democratas (68%) quanto republicanos (63%) estão desconectados dos anseios populares.
A recusa de Obama e outros próceres democratas em apoiar Mamdani sinaliza a hesitação que a política de verniz estudantil gera entre profissionais. As correlações com os efeitos da energia liberada nas ruas do junho de 2013 do Brasil não são poucas.
Nesse sentido, é preciso ver o que ocorreu na terça em outros campos. Em Virgínia e Nova Jersey, as democratas vencedoras da disputa pelo governo estadual usaram e abusaram do antitrumpismo, mas são políticas moderadas ligadas ao conservador estamento da segurança nacional.
Na Califórnia, o governador democrata Gavin Newsom teve uma vitória maiúscula na terça ao aprovar no Legislativo local o redesenho dos distritos eleitorais do estado, o que pode ampliar a representação de seu partido no Congresso a partir da eleição de meio de mandato de 2026.
Newsom, que ensaiou imitar o estilo Trump, tem ganhado densidade como um provável candidato a presidente em 2028 com posições mais sólidas —no embate acerca dos envios de tropas federais de Trump e, agora, na questão dos distritos.
Tudo isso mostra um Partido Democrata mais matizado do que os fogos de artifício de Nova York fazem supor, mas também mais dividido e suscetível ao populismo, enquanto Trump e o trumpismo reinam no campo adversário em nível nacional.
Igor Gielow/Folha de S.Paulo
