A propaganda do Banco Mercantil do Brasil, que entrou no ar outro dia com Roberto Carlos cantando é preciso saber viver fez a fita do ContrapontoMS rebobinar e parar lá no final da década de 1980. Entre pautas e o tormento de uma ilha de edição, minha companheira de ideais da TV Morena, Ecilda Stefanello, criticava minha breguice por curtir as músicas do rei da música popular brasileira. “É o cantor do óbvio”, repetia sempre. Eu discordava — sem saber, ainda, o que era, literalmente, um contraponto — tentando argumentar que Roberto era o cara que tinha uma música para qualquer momento de nossas vidas, fossem eles bons ou ruins. Como falávamos de política, ponderava que o óbvio mesmo era um país que insistia em desafinar no mesmo tom, mesmo depois de tantos “novos ares” prometendo reaberturas e renascimentos democráticos.
Roberto Carlos, não — ele é o cronista sentimental que atravessa gerações embalando alegrias, dores e, principalmente, repetições. E nesse looping brasileiro, onde o ontem e o amanhã se confundem, suas músicas viram quase um editorial político.
Porque, veja bem, há décadas o Brasil parece ter parado na contramão das curvas da estrada de Santos, com o DNIT fingindo cuidar dos buracos e os políticos cuidando de si mesmos. Enquanto isso, o povo espera uma proposta decente, sempre com o mesmo refrão ensaiado: Se você pensa que vai fazer de mim o que faz com todos os seus eleitores…
Pois é. O eleitor até acredita, ingenuamente, que “daqui pra frente tudo vai ser diferente”. Que o Ministério Público estará mais atento, a imprensa mais vigilante, e a paciência popular bem mais curta.
Mas o Brasil é especialista em remixar promessas — e o resultado é sempre um medley de frustrações. Sim, parece que todos estão surdos. Gritamos por transparência, por ética, por um simples semáforo entre Campo Dourado e IV Plano — e o que ouvimos? O eco dos gabinetes refrigerados, onde poucos são os que se lembram do eleitor.
No país da farra das emendas parlamentares, “detalhes tão pequenos” como a nossa faixa de Gaza carioca acabam soterrados em cortes orçamentários e discursos mal ensaiados — e pior, mal explicados.
E o povo, sempre chamado de “amigo de fé, irmão camarada”, hoje é apenas público-alvo — plateia de um show de playback cívico, onde cada candidato canta “eu te amo, te amo, te amo” até o horário eleitoral acabar.
Nas vésperas de mais uma eleição, ressurgem sorrisos, jingles, carreatas, e a gente se emociona de novo. Afinal, “são tantas emoções…” — antes, só na abertura das urnas; agora, bem antes disso, nas delações da tentativa de golpe, nas planilhas de propina, nos vídeos de campanha e nas desculpas protocolares.
Antes, essas emoções vinham quando a gente enfiava o voto no buraquinho da urna de pano; hoje, vem quando a urna eletrônica apita — e a gente finge acreditar que, “agora vai”, conforme o bordão de nosso “Rei”naldo Azambuja para governador. Alguma dúvida, pelo óbvio da coisa, de que “agora vai” de novo, para o Senado?
E assim seguimos, entre detalhes, desabafos e propostas, acreditando que “o importante é que emoções eu vivi” vá deixar de ser o epitáfio da política nacional.
A verdade é que estamos todos de carona nesse calhambeque sem freio, com o tanque vazio e olhando pelo retrovisor. E o pior: ainda cantamos junto.
Por isso, antes que o otimismo me faça de bobo outra vez, enquanto “eles” se confabulam na linha do “e que tudo mais vá pro inferno”, onde as rodovias — dizem — já estão todas duplicadas (porque, afinal, não se brinca com chifrudo), prefiro ficar com uma das mais belas canções do “óBVio” filho de Dona Laura: “Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo eu estou aqui.”
