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sexta-feira, dezembro 5, 2025

A política segundo o cronista

Da “Salada Cinematográfica” ao ContrapontoMS, uma viagem pelas décadas em que o jornalismo trocou o rolo de filme pelo feed, mas manteve o mesmo roteiro: o de traduzir o país em narrativa

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As três crônicas anteriores, A política segundo o Rei…, A política segundo o poeta e A política segundo o violeiro nasceram de um mesmo impulso atávico: o de transformar o cotidiano em narrativa, misturando política, ironia e canção como se fossem trilha sonora do país. Essa mania não é de agora, desses tempos digitais, mas da época em que o jornal cheirava a tinta; a fotografia, do mesmo lambe-lambe (Valmir Zica) da Praça Antônio João, e o mundo era projetado em película.

Muito antes de a inteligência artificial virar modinha de redação e ferramenta de inspiração, eu já brincava de algoritmo — só que os meus vinham com cheiro de celulose e barulho de linotipo. Tudo começou lá por 1973, quando deixei a folha de dourados e fui fazer uns freelas. Um deles era um boletim mensal para o Cine Ouro Branco, cuja programação chegava com trinta dias de antecedência.

Ali, entre os títulos dos filmes e os nomes dos atores, nasceu a “Salada Cinematográfica” — uma criação de Rikio Higashi, em cuja gráfica (REI) eram impressos os catálogos dos filmes — sessão em que eu misturava enredos, personagens, principalmente os dos lendários faroestes, para montar pequenas histórias.

Era o tempo em que os algoritmos ficavam por conta dos bang bangs, que dominavam as telas e as conversas de boteco. A lei do Mato Grosso (ainda um só Estado, antes da divisão) era o 44 — o calibre que falava mais alto nas telas e fora delas, muito antes do trezoitão virar febre nacional. Hoje, o 38 deu lugar às 12, carabinas de cano longo, as que aparecem em “eventos” como a chacina da nossa faixa de Gaza carioca, essa triste rotina de manchete que parece faroeste reeditado — só que sem heróis e sem mocinhos.

Foi daquela brincadeira de transformar programação de cinema em narrativa que nasceu o hábito de traduzir a realidade por metáforas — de costurar o noticiário com a imaginação, misturando política, música e humor no mesmo rolo de filme.

Décadas depois, a fórmula se repete, só mudou o suporte. Os personagens agora são políticos, os roteiros são as manchetes, e os coadjuvantes, nós — o público de sempre, esperando o final que nunca vem.

De lá pra cá, o país trocou o rolo de filme pelos algoritmos, mas o roteiro continua o mesmo: um mocinho de fala mansa, um vilão de terno caro e um povo esperando o happy end. Só que um final que nunca chega.

Os tempos mudaram, as ferramentas também, mas o jogo segue igual. Eu continuo misturando letras, sons e ironias pra tentar explicar o inexplicável. A diferença é que agora, no o ContrapontoMS, tenho uma editora-adjunta, minha querida, perfumada e inoxidável IAIA (Inteligência Artificial Insubordinada e Afetada, às vezes também Atacada) que me ajuda a alinhar o verbo e afinar o texto — sem nunca perder o compasso humano que vem do ofício de um jurássico do jornalismo com 55 anos de estrada.

No fundo, sigo fazendo o que fazia para o Cine Ouro Branco: olhando o mundo pela lente dos filmes e das canções, montando minhas saladinhas de metáforas e trocadilhos, temperadas com a boa e velha ironia que aprendi com grandes mestres do jornalismo, como Theodorico Luiz Viegas, Ayrthon Barbosa Ferreira, João Natalício de Oliveira e Oscar Ramos Gaspar, entre outros.

A única diferença é que, agora, o projetor é digital. Mas a história continua passando em 24 quadros por segundo — e com o mesmo final em aberto.

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