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sexta-feira, dezembro 5, 2025

O Brasil que não sabe ler, mas que sabe roubar

Num país que não lê, sobra palco para quem aprendeu a roubar sem rubor — e a posar de estadista sem jamais ter aberto um livro

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É assim que podemos resumir a tragédia educacional que volta à tona com a constatação de que quatro em cada dez crianças brasileiras não alcançam fluência mínima de leitura. A alfabetização patina, tropeça, cai — mas a criatividade para a corrupção segue em plena forma atlética. No mesmo país em que a escola desaprende a ensinar, há sempre um servidor pronto para cobrar R$ 250 mil de propina no balcão, por mês!, um político pronto para ressuscitar no palanque e uma mala de dinheiro pronta para viajar sem escala nem constrangimento. O Brasil perde letras, mas jamais perde o talento para desviar.

A pergunta que se impõe — ainda que o país faça de tudo para não respondê-la — é de onde vem tamanha fertilidade para o ilícito. Como conseguimos, simultaneamente, fracassar em alfabetizar crianças e ser tão eficientes em cultivar esquemas, conluios e operações com nomes épicos? Não é preciso tese de doutorado: um país que não lê se torna presa fácil de quem sabe assinar contratos com dinheiro público. Onde o texto não é compreendido, o subtexto governa. Onde o cidadão não interpreta, o corrupto interpreta por ele.

No Mato Grosso do Sul, essa equação assume contornos quase cômicos — se não fosse trágica. Basta mencionar “indicadores educacionais” para que memórias pouco nobres comecem a brotar: a douradense Uragano com seus mensalinhos (como agora, no INSS, também dinheiro roubado da Saúde Pública), a Lama Asfáltica e seus asfaltos casca de ovo, como o da nossa Perimetral Norte, e, mais recentemente, o misterioso “sumiço” de uma mala com “verdinhas” de propina em Campo Grande. A pedagogia pode falhar, mas a pós-graduação em maracutaia está sempre em dia. E o mais fascinante é que alguns dos protagonistas dessas histórias, mesmo condenados e presos, nunca desistem de uma tentativa de retorno, ops! Em terra de leitura fraca, memória curta vira aliada estratégica.

Dourados, inevitavelmente, entra nesse cenário. O prefeito Marçal Filho pode até desejar acreditar que o município esteja fora dessa régua nacional — até para não continuar se indignando por pouca coisa, como um vidro estilhaçado por vândalos, num ponto de ônibus — mas seria prudente encarar os números antes de posar de exceção. Se a fluência leitora local estiver abaixo do necessário, não será apenas um problema pedagógico, mas um alerta político. Onde faltam leitores, sobram narradores de si mesmos. Onde a escola não ensina interpretação, a gestão se acostuma a não ser interpretada.

O elo entre ignorância e corrupção é mais forte do que muitos admitem. Quando a criança não lê, o adulto não interpreta. Quando o adulto não interpreta, o gestor não é fiscalizado. E quando o gestor não é fiscalizado, o dinheiro público desenvolve a perigosa habilidade de caminhar sozinho. A ignorância, nesse contexto, não é só consequência: é matéria-prima. É o chão fértil onde brotam escândalos repetidos, manobras conhecidas e personagens reincidentes. Combate-se corrupção com polícia, sim — mas combate-se, sobretudo, com biblioteca.

Assim, o país inteiro se vê diante de uma contradição obscena: crianças que não sabem ler e adultos que sabem roubar demais. Um país que não lê é governado por quem não quer ser lido, educado por quem não sabe ensinar e fiscalizado por quem não entende o que assina. É a equação perfeita para manter tudo como está. Entre novas prisões de propina barata e velhas estatísticas de analfabetismo funcional, seguimos preservando nossa tradição nacional: fingir surpresa diante de problemas que nós mesmos reciclamos com zelo. Enquanto isso, a corrupção continua seu trajeto natural — tranquila, próspera e, ironicamente, sempre muito bem escrita.

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