20.8 C
Dourados
sexta-feira, dezembro 5, 2025

Encruzilhada à direita: prisão amplia dúvidas sobre força do bolsonarismo e sucessão nas urnas em 2026

Cientistas políticos e antropólogos que estudam a evolução do fenômeno desde 2018 afirmaram que a maior privação de liberdade pode afetar o papel de Bolsonaro como cabo eleitoral e fragmentar seu campo

- Publicidade -

A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, às vésperas do fim dos prazos para entrar com recursos contra a condenação no caso da trama golpista, tende a antecipar um cenário considerado desafiador por seus aliados: o de se organizar para as eleições de 2026 sem sua principal liderança à frente dessas tratativas. Cientistas políticos e antropólogos que estudam a evolução do bolsonarismo desde 2018 garantem que a maior privação de liberdade, devido à prisão na superintendência da Polícia Federal, pode afetar o papel de Bolsonaro como cabo eleitoral e aumentar o risco de fragmentação de seu campo.

Na avaliação dos especialistas, o ex-presidente “perdeu o timing” da definição de um sucessor, o que ameaça a própria permanência do termo “bolsonarismo” para caracterizar a oposição ao governo Lula (PT). Eles indicam que a agenda de costumes tende a seguir importante para a direita, assim como na eleição de 2018, mas que a segurança pública pode ganhar mais relevância, a depender do nome que disputar a Presidência.

1. Preso, Bolsonaro conseguirá manter a mobilização da sua base?

A cientista política Camila Rocha, diretora do Centro para Imaginação Crítica do Cebrap, afirma que a presença física de Bolsonaro já se mostrava relevante, por exemplo, para atrair público em manifestações bolsonaristas. A passagem da prisão domiciliar para o regime fechado, se confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao fim do julgamento dos recursos do ex-presidente, pode acentuar uma sensação de que sua imagem está “sumindo”.

— Quando Lula estava detido em 2018, também em uma superintendência da PF, ele estava fisicamente bem de saúde, as pessoas tinham acesso, ele deu entrevistas. Em relação a Bolsonaro, a situação é diferente. Ele não está do ponto de vista de saúde muito bem e não parece haver um grande apoio internacional, por parte de outras lideranças, em relação a uma possível libertação — comparou a pesquisadora.

Essa dificuldade para mobilizar a base já vinha aparecendo, na avaliação de especialistas, desde a decretação da prisão domiciliar de Bolsonaro, em agosto. Além de restringir a capacidade de encontro com aliados, aquela decisão também reforçou a impossibilidade de que Bolsonaro usasse as redes sociais.

Os pesquisadores lembram que Bolsonaro e os filhos usaram as redes de forma estratégica, desde a campanha eleitoral de 2018, para popularizar a imagem do ex-presidente e manter um canal direto entre ele e apoiadores.

Segundo o antropólogo David Nemer, professor na Universidade de Virgínia, nos EUA, que monitora grupos de WhatsApp usados por militantes bolsonaristas, o número de menções diretas ao ex-presidente vinha caindo nesses fóruns desde a prisão domiciliar. O pesquisador afirma que alguns picos de menções a Bolsonaro, nesse período, estavam relacionados à “esperança de que alguma reviravolta pudesse acontecer em relação à prisão”, como quando o ministro do STF Alexandre de Moraes foi alvo de sanções dos EUA.

Professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a antropóloga Isabela Kalil já vem detectando vídeos com inteligência artificial, em redes sociais como o TikTok, que tentam recriar a imagem do ex-presidente.

— O subtexto é: Bolsonaro não disse isso, mas, se pudesse, diria. Por enquanto, a imagem dele está sumindo, mas isso não significa que não se possa fazer uma campanha, com uso de IA, fazendo aparecer um Bolsonaro “sintético”.

2. A prisão eleva ou reduz a importância do apoio de Bolsonaro na urna em 2026?

O cientista político Guilherme Casarões, um dos coordenadores do Observatório da Extrema-Direita, avalia que a manutenção de Bolsonaro como cabo eleitoral para presidenciáveis de direita dependerá da forma como o entorno do ex-presidente lidar com a mudança de prisão domiciliar para o regime fechado.

— Se a prisão de Bolsonaro levar a uma radicalização ainda maior das posições do bolsonarismo, sobretudo no que diz respeito à democracia, o movimento se tornará insustentável para setores da direita que pretendem se manter no jogo político-eleitoral. Uma “martirização” de Bolsonaro, sem radicalização, pode ser o caminho para manter a direita unida diante das eleições do próximo ano – avalia Casarões.

Já a antropóloga Isabela Kalil, que também integra o Observatório da Extrema-Direita, considera que o ex-presidente “corre sério risco de perder seu capital político” indo à prisão, por não ter indicado um sucessor.

Para os pesquisadores, a situação difere da vivida pelo então ex-presidente Lula em 2018, ao ser preso na Lava-Jato meses antes da corrida eleitoral, quando ainda se colocava como candidato. Na ocasião, Lula já tinha sinalizado que Fernando Haddad o sucederia nas urnas, o que acabou se concretizando.

— No caso do Bolsonaro, como ele não passa o bastão a ninguém, nem mesmo à própria família, ele corre o risco de deixar o capital político se desfazer sem nenhuma estratégia. Quanto mais ele perde o timing da sucessão, mais ele corre o risco de seus eleitores sentirem que foram deixados sozinhos por conta do silêncio — afirma Kalil.

Já o antropólogo David Nemer avalia que a “condição de mártir” avocada pelo ex-presidente tende a mantê-lo em um papel de “comando à distância”.

— Mas ele terá menos poder de agenda e haverá mais ruído interno, com disputa pelo espólio político e pela definição de táticas de mobilização — diz Nemer.

3. Bolsonarismo sobrevive, como fenômeno eleitoral, sem Bolsonaro?

Para os especialistas, a ideia de um campo “bolsonarista” dependerá da capacidade de familiares do ex-presidente se colocarem como sucessores. Eles traçam um paralelo com o “peronismo”, que se firmou como movimento político na Argentina a partir das presidências de Juan Domingo Perón e da atuação da ex-primeiras-damas Evita e Isabelita.

O cientista político Guilherme Casarões avalia que o bolsonarismo tem “natureza populista”, portanto, “é natural que siga girando em torno de uma figura”.

— Por isso, há uma insistência de setores do campo bolsonarista em manter alguém da família à frente do movimento. Isso indica certa fragilidade, uma vez que não parece haver ninguém fora do círculo íntimo de Bolsonaro que possa exercer uma liderança de longo prazo.

A antropóloga Isabela Kalil avalia que, “sem um familiar de Bolsonaro com papel de relevância”, o termo bolsonarismo pode “entrar em declínio”.

— Mas vejo uma bolsonarização da política. É menos um legado em torno da figura e mais uma forma específica de se comunicar, que alguns atores entenderam que dá voto.

4. A segurança vai se sobrepor à pauta de costumes em 2026?

Os especialistas avaliam que, a depender dos candidatos à Presidência e aos governos estaduais, temas como a agenda moral e o discurso “linha dura” na segurança pública podem ser mobilizados com maior ou menor intensidade. A cientista política Camila Rocha afirma que a pauta conservadora é um fator relevante para candidatos ao Legislativo que buscam atrair o eleitorado bolsonarista.

— Vereadores e deputados continuam mobilizando essa perspectiva de redução de direitos de aborto e nas questões LGBTQIA+ como trampolim eleitoral. Isso vale mais para um deputado como o Nikolas Ferreira, enquanto um Tarcísio de Freitas usa mais a questão da segurança, de escolas militarizadas, de combate ao crime organizado – compara.

A antropóloga Isabela Kalil vê a megaoperação policial do mês passado no Rio, que deixou 121 mortos, como sinal de que a pauta da direita em 2026 tende a girar mais em torno da segurança.

Já o antropólogo David Nemer pondera que a pauta moral ainda é a principal “cola identitária” do campo da direita, que reúne grupos dispersos mantidos sob o guarda-chuva de Bolsonaro nas duas últimas eleições.

— É provável que essas lideranças continuem mobilizando esse tema de costumes, porque ele gera alto engajamento com baixo custo. A pauta moral é um gatilho para defensores de valores cristãos, grupos armamentistas e figuras “antissistema”. Serve como um teste de lealdade nesse campo.

Bernardo Mello e Caio Sartori/O Globo — Rio de Janeiro

- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

Últimas Notícias

- Publicidade-