A prisão preventiva de Jair Bolsonaro jogou a política nacional em turbulência, mas no Mato Grosso do Sul o impacto é ainda mais forte, porque pegou uma direita já rachada, insegura e sem bússola. O PL, agora de Reinaldo Azambuja, dono da vitrine bolsonarista no estado, limitou-se a uma nota burocrática e tímida, quase pedindo desculpas por fazer parte do episódio. Já Eduardo Riedel, que jamais recebeu apoio de Bolsonaro e que não deve nada ao ex-presidente, muito menos ao PL, resolveu se pronunciar pessoalmente no Instagram — um gesto calculado que diz muito mais sobre 2026 do que sobre a situação jurídica do ex-presidente. No fundo, todo esse movimento só faz sentido quando se observa o caos interno da própria direita matogrossulense, onde ninguém sabe mais quem representa o mito, quem traiu o mito e quem tenta herdar o capital político deixado pelo mito.
O ponto de partida é simples: o bolsonarismo no MS tem dono — e o nome é Rodolfo Nogueira. O deputado douradense é o mais orgânico, mais raiz e mais fiel seguidor de Bolsonaro no estado. Não é playboy do agro, não é burocrata de partido, não é adesista eventual: é bolsonarista de alma, tipo que o eleitor reconhece sem legenda. Tanto reconhece que Bolsonaro prometeu à sua esposa, Gianni Nogueira, a vaga ao Senado. No bolsonarismo, uma promessa dessas vira quase decreto moral. Pois o PL ignorou tudo isso e tomou a vaga para Reinaldo Azambuja, num movimento visto como traição explícita pela base. E, para piorar a confusão, Valdemar Costa Neto ressuscitou o Capitão Contar e anunciou sua candidatura senatorial pelo mesmo PL — o mesmo Contar que Bolsonaro empurrou contra Riedel em 2022, num debate ao vivo na Globo, deixando claro que não queria conversa com o então candidato tucano.
O resultado dessa sequência de rasteiras é que o PL virou uma máquina trituradora do próprio bolsonarismo. Gianni foi chutada, Rodolfo foi humilhado, como guardião de tornozeleira, Contar caiu de paraquedas como se nunca tivesse perdido relevância, e Azambuja virou uma espécie de síndico de condomínio onde ninguém respeita a convenção. A base bolsonarista — majoritariamente rural, conservadora e visceral — ficou órfã e enraivecida. E é exatamente nesse momento que Eduardo Riedel aparece. Ele não precisava se mover. Mas justamente por não precisar, o movimento se torna ainda mais estratégico.
Riedel sabe que o agronegócio bolsonarista não tolera silêncio. Sabe também que, com o PL em guerra interna, o eleitor conservador está solto, desconfiado e procurando um porto seguro que não aparente covardia. Ao se pronunciar de maneira ponderada, crítica ao timing da decisão judicial, mas sem arroubos golpistas, o governador entregou o que essa base queria ouvir: respeito. Respeito ao mito, respeito ao eleitor que se sente traído e respeito ao sentimento conservador que domina o estado. É um gesto simples, mas que, num momento de terremoto, pode consolidar a tão almejada liderança.
Rodolfo Nogueira, nesse tabuleiro, emerge paradoxalmente mais forte do que antes. Mesmo sem a vaga ao Senado para a esposa, virou vítima perfeita — e vítima, no bolsonarismo, rende mais lealdade do que qualquer cargo. Azambuja, ao contrário, assumiu o papel de traidor interno, aquele que usa o prestígio de Bolsonaro, mas toma suas decisões ignorando a própria vontade do ex-presidente. E Contar, ressuscitado à força, surge mais como peça descartável de Valdemar do que como opção real de poder.
No meio de tudo isso, Riedel conseguiu a proeza de se posicionar sem se sujar, de acenar sem se ajoelhar, e de ocupar o espaço que o PL abandonou por incompetência e descoordenação. O governador, que não deve nada ao bolsonarismo, conseguiu, com um único texto no Instagram, dizer à base: “eu não sou inimigo de vocês”. Enquanto isso, o PL olha para o umbigo: “nós somos inimigos de nós mesmos”.
A direita matogrossulense entra em 2026 completamente dividida. Um partido rachado, um líder orgânico traído, um candidato reciclado sem carisma e um governador moderado ocupando o vácuo que os outros deixaram por puro erro de cálculo. No fim, Bolsonaro preso reorganiza tudo, inclusive onde menos deveria: na própria casa dos bolsonaristas. E, nesse rearranjo, quem mais ganha, ironicamente, é quem menos precisava disputar espaço. Enquanto Azambuja tropeça, Rodolfo sangra e Contar reaparece como figurante de última hora, Riedel cresce como o adulto da sala. Quem diria: num estado tomado pelo bolsonarismo, o único que parece entender o bolsonarista é justamente quem não vive de pendurar medalhas no peito do mito.
