O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou nesta quinta-feira um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para alterar sua decisão restringindo as regras para impeachment de ministros da Corte. A AGU havia pedido a reconsideração da decisão e que os efeitos da liminar ficassem suspensos até a deliberação pelos demais ministros, marcada para ocorrer a partir do dia 12 de dezembro.
Para Gilmar, sua decisão tem “fiel amparo na Constituição Federal” e é “indispensável para fazer cessar um estado de coisas manifestamente incompatível com o texto constitucional”.
“Inexistem, portanto, razões para alteração dos termos da decisão anteriormente proferida, bem assim para a suspensão de seus efeitos”, alegou o ministro.
Em decisão na quarta-feira, Gilmar estabeleceu que somente a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode apresentar pedidos de impeachment contra ministros da Corte e determinou que é necessária maioria de dois terços para abrir o processo e para aprová-lo.
Já no despacho desta quinta, o ministro destacou a necessidade de garantir a independência do Judiciário, que estaria ameaçada pelo formato anterior do impeachment.
“A submissão dos magistrados dos Tribunais Superiores a um regime de responsabilização incompatível com o texto constitucional representa um grave comprometimento da independência judicial, o que denota a extrema urgência de que se reveste a medida”, escreveu.
Gilmar ainda afirmou que não existe, formalmente, um “pedido de reconsideração” e que a AGU utilizou um “expediente informal”.
“Fica evidente que o ordenamento jurídico brasileiro não contempla o chamado pedido de reconsideração. Trata-se, na realidade, de expediente informal, destituído de previsão normativa e incapaz de gerar efeitos próprios dos recursos típicos, como a suspensão ou interrupção de prazos processuais, o impedimento da preclusão ou o dever jurídico de o magistrado reapreciar a decisão”, declarou.
O ministro também destacou o fato da AGU não ter se manifestado antes da decisão, mesmo tendo sido provocada. “Após o transcurso de quase 2 (dois) meses do prazo assinalado, o advogado-geral da União manifestou-se nos autos”, ressaltou.
‘Campanhas eleitorais’
Mais cedo, em evento organizado pelo portal Jota, Gilmar justificou a decisão pelo alto número de solicitações desse tipo apresentadas nos últimos anos e por uma campanha da oposição para conseguir dois terços do Senado, para viabilizar a retirada de magistrados.
— E as pessoas dizem, mas por que liminar? Eu estou lhes dando as razões. Com tantos pedidos de impeachment, com as pessoas anunciando que farão campanhas eleitorais para obter maioria no Senado, dois terços do Senado, para fazer o impeachment — disse o ministro, em evento promovido pelo portal Jota.
Atualmente, a lei que define os crimes de responsabilidade, de 1950, estabelece que “qualquer cidadão” pode apresentar denúncias ao Senado contra ministros do STF e o procurador-geral da República, e que é preciso maioria simples tanto para receber o pedido quanto para considerá-lo procedente. Gilmar avaliou, no entanto, que essas regras não são compatíveis com a Constituição de 1988.
Gilmar ainda decidiu que o mérito de decisões judiciais não pode ser utilizado como justificativa para pedidos de impeachment e que os magistrados não devem ficar afastados de suas funções enquanto o pedido é julgado.
O ministro atendeu parcialmente pedidos do partido Solidariedade e da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB).
Para o relator, o impeachment é uma “ferramenta constitucional de natureza extraordinária, cuja utilização exige base sólida e estrita observância ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa”. Por isso, não poderia ser utilizado como “mecanismo de supressão indevida da independência dos demais Poderes”.
Gilmar considerou que a ameaça de retirar um ministro do STF “já configura um potencial fator intimidatório” e “pode ter como consequência a aposentadoria de juízes independentes e inocentes que, por temerem as consequências do processo, optam, desde logo, pela saída do cargo”.
Segundo o ministro, vários trechos da lei do impeachment não foram abarcados pela Constituição de 1988, como o quórum necessário para a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF, a legitimidade para apresentação de denúncias e a possibilidade de se interpretar o mérito de decisões judiciais como conduta típica de crime de responsabilidade.
O que diz a lei
- Cabe ao Senado julgar ministros do STF sobre crimes de responsabilidade
- São esses os crimes de responsabilidade atribuídos a ministros do STF: alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; exercer atividade político-partidária; ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.
Reação do Congresso
A decisão provocou um acirramento entre os Poderes e fez com que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), se manifestasse com críticas ao Poder Judiciário.
Alcolumbre chegou a citar, como possíveis respostas, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita decisões monocráticas, que está travada na Câmara, e um projeto de lei que atualiza a lei do impeachment, que tramita de forma vagarosa na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
— O Parlamento está atento e tomando as providências para que o aprimoramento legislativo aconteça, sabedor de que o exercício do seu direito de decidir ou de não decidir está amparado na vontade do povo que elege seus membros, exatamente como deve ser numa democracia — declarou o senador.
Alcolumbre conversou por telefone com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Segundo interlocutores de Alcolumbre, a ligação de Moraes foi uma tentativa de apaziguar os ânimos, já que os dois têm boa relação. O presidente do Senado também reclamou diretamente com o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), autor da ação que desencadeou a liminar.
Daniel Gullino/O Globo — Brasília
