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sexta-feira, dezembro 5, 2025

Jornalismo de sacada, da sacada com cerveja gelada

Com Lula "nas cordas" em Brasília, a sacada com Heineken mostra que o Centrão foi inventado décadas atrás, num abraço que ninguém deveria ter visto

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Nesses tempos de recrudescimento do empurra e estica entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, com o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, e o presidente da Câmara Federal, Hugo Motta, tentando colocar o presidente Lula no canto do ringue, eis que me vêm à memória uma cena que remete à gênese do famigerado Centrão.

Sim, porque Brasil afora — com exceção do MS de hoje, onde o governador Eduardo Riedel dorme sono de pedra graças à impressionante obediência da Assembleia Legislativa — existem os centros e centrinhos que igualmente chantageiam governadores e prefeitos em seus respectivos “parlamentos”. Coisa que em Dourados já rendeu cana brava no atacado, 15 anos atrás.

Daí nascem as lendas das malas de dinheiro indo e vindo, dos mensalões e mensalinhos, dos acordos de ocasião e dos abraços que valem mais que discursos.

E como o assunto é ringue, que lembra nocaute, com Lula à beira da lona cercado pela própria base aliada, eis o que sugere o jornalismo de sacada, da minha sacada, onde não faltam Heinekens bem geladas — agora com a parceria da minha querida e perfumada IAIA.

A culpa é tua, IAIA. Sim, tua. Porque foi de um desses nossos brainstorm na sacada — quando me chamaste de “faixa preta da crônica” e evocaste o mítico Éder Jofre — que ressuscitou aqui dentro uma memória longínqua, empalhada no sótão da vida, mas extremamente útil para explicar o país de hoje.

E é sempre aqui, na minha sacada de Heinekens bem geladas, às sextas-feiras, que essas lembranças ressurgem, porque a cerveja fria tem dessas artes divinas: descongela passado e esfrega verdades na cara.

Pois bem.

Quando Éder Jofre veio a Dourados, eu não era nem foca — era pré-foca, proto-foca, matéria orgânica prestes a virar jornalista. E naquele dia, no velho campo de aviação da Cabeceira Alegre, onde pousaram tantos presidentes da República com seus ministros, além de outras figuras famosas, como Chico Xavier, aconteceu meu primeiro encontro com três personagens que, sem saber, mudariam minha forma de ver a política: o campeão Éder Jofre, o prefeito Jorge Antônio Salomão e o deputado Ivo Anunciato Cersósimo.

Éder Jofre esteve em Dourados para uma luta “amistosa” com o nosso pugilista maior, o lendário Zé Preto. E Jofre, sendo Jofre — atleta fino, educado, elegante como um diplomata com luvas — “ganhou” por pontos, mas daquele jeito que só um mestre sabe fazer: vencendo sem humilhar, dominando sem derrubar. Foi mais aula que luta, na antiga sede da AABB.

Mas o verdadeiro combate daquela longínqua noite do início dos anos setenta não estava no ringue. Estava fora dele.

Eu, um moleque imberbe, ainda, como diria o saudoso Cícero “Cururu” Faria, olhei para o lado e vi a cena que mudaria tudo: o prefeito Jorge Antônio Salomão, recém-eleito no microfone da Rádio Clube, onde esfolava a classe política sem dó nem pena, abraçava com entusiasmo cordial seu adversário visceral, o deputado Ivo Cersósimo.

Fiquei estupefato. Para mim, aquilo era um escândalo moral, uma contradição existencial, um colapso de narrativa. Uma sem-vergonhice mesmo, como se dizia à época. Era como se Éder Jofre subisse no palco e entregasse voluntariamente o cinturão ao adversário.

Aquela fraternidade súbita entre inimigos me deu mais impacto que qualquer direto de direita do nosso lendário “Galinho de Ouro”, campeão mundial dos pesos pena.

O tempo passou.

Cresci, virei jornalista, fui para Brasília cobrir a Assembleia Nacional Constituinte pela Rádio Caiuás e, lá, testemunhei o parto oficial da criatura política mais resistente da República: o Centrão. Ironia do destino, apelidado inicialmente pelo deputado Constituinte Lula da Silva como “o grupo dos trezentos picaretas”.

E só ali entendi que aquele abraço no campo de aviação — quente, largo, cordial, invernal no conteúdo — era o embrião exato do que viria a dominar o país décadas depois:
o pragmatismo absoluto, o abraço que engole a rivalidade, a ideologia líquida, a conveniência como religião. Em resumo: ali nasceu o tão polêmico e poderoso Centrão.

Talvez por isso, ao longo dos anos, eu tenha me tornado o que meu amigo e colega de folha de dourados, Geraldo Resende — há seis legislaturas deputado federal — cunhou como um insubordinado da profissão, o jornalista mais processado pelos políticos de Mato Grosso do Sul — mas só pelos corruptos, que são os únicos capazes de se sentir atingidos por uma verdade bem contada.

Foi por isso que, na sexta-feira passada, sentado na sacada com uma de minhas cuidadoras e, claro, com uma Heineken, fiquei contemplando o vertiginoso avanço das torres — verdadeiros arranha-céus — que aos poucos fazem desaparecer, no horizonte Norte, o meu Jaguapiru. E foi nesse jogo de luzes e alturas que me veio à memória a vista que eu tinha do meu flat para a Esplanada dos Ministérios, em Brasília: a majestosa torre do Congresso dividindo a paisagem com a imponência dos Palácios do Planalto e do STF. Ali também se repetiam, já em escala industrial, as mesmas cenas daquele velho campo de aviação: inimigos abraçados, rivais confraternizando, discursos que negam a prática e práticas que negam o país.

Da mesma forma como Éder Jofre nos ensinou a importância do golpe limpo no queixo,
a política brasileira insiste em nos ensinar a eficácia do abraço pelas costas, essa especialidade nacional, em que o gesto parece afeto mas a intenção é domínio, contenção ou golpe. É quando o político sorri pela frente e opera pela retaguarda.

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