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sexta-feira, dezembro 5, 2025

As manguinhas da madrinha

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Desejando as manguinhas pequenas e doces que eu comia no sítio da madrinha. Ela, que já se foi para as estrelas, ilumina agora meu céu, juntamente com tantas outras figuras da minha infância. Minha outra madrinha, também vizinha de meus pais, também partiu — há muito mais tempo.

Nessas últimas décadas, foram-se pessoas queridas daquela mesma linha — ou seja, do mesmo quilômetro onde se instalaram meus pais: seu Nelson, dona Maria… tanta gente! Estrelas que se juntam às outras do meu céu.

A madrinha das manguinhas tinha uma bela casa de madeira cuja varanda, na parte superior, como tantas outras vistas no vilarejo, trazia formas esculpidas na madeira. A casa vazia, o terreno alugado abriga agora o gado do fazendeiro vizinho, que circula ao redor da casa de que a madrinha tanto se orgulhava. O fogão, atrás da casa — não o redondo, especial para fazer pão, mas o de cozinhar — tinha um belo forno com imagens desenhadas no esmalte que o cobria. Espero que a família o tenha guardado em algum outro lugar, em memória da madrinha.

Que necessidade tenho eu de fazer, periodicamente, essas idas e vindas nesse universo, presente e passado?

No caminho de volta, Presidente Prudente e a garagem dos ônibus da única empresa que fazia e faz as idas e vindas do meu vilarejo à cidade grande. Quantas vezes percorri esse trajeto? É o ponto onde acontece a troca de motorista, a limpeza do ônibus e a carga e recarga de mercadorias, em geral empacotadas em caixas.

Pelas quatro horas da manhã, três trabalhadores fazem o transporte delas como se fosse brincadeira. Riem, jogam as menos pesadas de um para outro, falam alto sem pensar que podem acordar os que dormem no ônibus de porta aberta. Um novo motorista toma o lugar daquele de olhos cansados, que se vai com sua cobertura de poltrona e uma mochila preta onde carrega seus pertences.

O ônibus retoma a estrada numa cidade adormecida que emite luzes nas ruas e uma certa acalmia. As ruas parecem limpas. Pontes atravessam a rodovia nessa hora tardia ou matinal, conforme o ponto de vista. O wi-fi do ônibus não funciona, embora a propaganda interna o anuncie — raramente funciona nessa empresa.

O sono termina na entrada da periferia oeste da grande cidade. Em horários matinais, com pessoas a caminho do trabalho, as mais de quatro pistas de cada lado parecem insuficientes para dar vazão ao mar de carros. Um mundo extraterrestre, surreal. A circulação é densa, pesada — realidade quotidiana para muitos. Quanto tempo perdido! Ao contrário do ônibus, que deve seguir por tal estrada e tal pista, os carros, cujos motoristas experientes buscam atalhos, tentam passar por caminhos menos conhecidos, oferecendo passagens mais generosas.

Penso no paraíso perdido. Na ideia dessa concentração humana nas grandes cidades, nos prédios que surgem de um ano para outro, sem que apareçam novas estradas, sem que exista o verde para fornecer o oxigênio para tanta gente — mas que deve fornecer muito dinheiro para um certo número.

  • Mazé Torquato Chotil – Jornalista e autora. Doutora (Paris VIII) e pós-doutora (EHESS), nasceu em Glória de Dourados-MS, morou em Osasco-SP antes de chegar em Paris em 1985. Agora vive entre Paris, São Paulo e o Mato Grosso do Sul. Tem 14 livros publicados (cinco em francês). Fazem parte deles: Na sombra do ipê e No Crepúsculo da vida (Patuá); Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terenas; Maria d’Apparecida negroluminosa voz; e Na rota de traficantes de obras de arte.
    Em Paris, trabalha na divulgação da cultura brasileira, sobretudo a literária. Foi editora da 00h00 (catálogo lusófono) e é fundadora da UEELP – União Européia de escritores de língua Portuguesa. Escreveu – e escreve – para a imprensa brasileira e sites europeus.
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