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quarta-feira, dezembro 10, 2025

Os caminhos do poder no MS: de Jânio Quadros às picadas de Riedel

Da exceção do excêntrico Jânio Quadros ao enraizamento de Eduardo Riedel, um passeio por Campo Grande reacende memórias, trajetórias e a velha controvérsia que ainda impede Dourados de realizar seu sonho político

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Começando por Jânio Quadros, o único mato-grossulense da cepa a presidir o Brasil (Eurico Gaspar Dutra, presidente da República antes da criação do MS, era cuiabano), passando por José Fragelli, Wilson Barbosa Martins (e seu vice, Ramez Tebet, também governador), José Elias Moreira, Pedro Pedrossian, Zeca do PT, André Puccinelli, Reinaldo Azambuja e, agora, Eduardo Riedel, a velha polêmica do “ostracismo” político douradense voltou a aguçar minha memória durante um passeio pelo centro de minha querida e perfumada capital morena, nesta sexta-feira já sob efeito dos eflúvios natalinos de jingle bell.

E, como se pedisse passagem nesse colar de lembranças, o governador Riedel acrescentou recentemente uma peça preciosa: em visita a Dourados para inaugurar o asfalto no distrito da Picadinha, voltou a reforçar sua condição de “mais douradense” de todos os governadores ao recordar as picadas que pegava para encurtar o trajeto entre sua fazenda e a Unigran, onde teve seu primeiro emprego com carteira assinada, como professor.

Campo Grande sempre conviveu com lideranças vindas de diferentes origens — o que alimenta, até hoje, a discussão sobre identidade política mato-grossulense. Isto desde a nomeação do primeiro governador, Harry Amorim Costa, um forasteiro trazido pelo presidente Geisel; o segundo, Marcelo Miranda Soares, um mineiro que adentrou o território do ainda Mato Grosso por Paranaíba, de lá para a Prefeitura da capital antes de ser pinçado por Pedrossian para o governo.

Antes que meu WhatsApp apite perguntando o que o ex-prefeito Zé Elias está fazendo nessa lista, lembro que foi ele o único “douradense” que realmente tentou e, por muito pouco, não acabou com essa inhaca. Ganhou a eleição de cabo a rabo no interior, mas perdeu na capital para o pemedebista Wilson Martins, em 1982, quando o PMDB fez história elegendo todos os governadores dos estados lindeiros (Iris Resende em Goiás, Montoro em São Paulo e Richa no Paraná).

Como faço sempre quando estou em Campo Grande, saí do Hotel Jandaia a pé para lanchar num lugar que uma é verdadeira escola de ética: a lanchonete Thomas, onde o cliente come o que quiser e paga o que a consciência mandar. O nome de Zé Elias me veio à mente quando, em vez de retornar ao hotel, desci pela XV de Novembro até a praça Ary Coelho para conferir se o Natal de Adriana Lopes estava tão encantado quanto o de Marçal Filho. Ao passar pelo Edifício Tamoyos, lembrei das muitas noites “mal dormidas” e das articulações que consolidaram a primeira eleição de Zé Elias a deputado federal, numa festinha improvisada com a presença de Santa Rosa, porta-voz do governador Ramez Tebet. Ramez, que havia assumido o governo no lugar de Wilson Martins — o mesmo que derrotara Zé Elias na primeira eleição direta para governador do MS. São as voltas que o mundo dá. Minha saudosa amiga Ively Monteiro teve papel decisivo nessa articulação.

Os caminhos do poder no MS: de Jânio Quadros às picadas de Riedel
Residência do ex-governador Wilson Barbosa Martins, no centro de Campo Grande (ao lado, no destaque, o novo hotel Slaviero Campo Grande) fotos – ContrapontoMS)

Embalado nessas lembranças, resolvi passar reto pela praça Ary Coelho para ver se a antológica casa de nosso adversário de então, Wilson Martins, ainda de pé, na mesma XV de Novembro. E lá estava ela. Sim: nem mesmo a presença do governador por oito anos naquele endereço impediu que o local se transformasse num dos mais famosos pontos de prostituição da capital. E não, não falo de prostituição política. Coincidência ou não, durante o tempinho em que tentei enquadrar melhor a humilde residência do austero dr. Wilson no celular, fui abordado por uma pedinte — pela aparência, vestuário, voz, cabelos desgrenhados e rosto vincado, parecia uma daquelas beldades que ali faziam ponto nos tempos de exuberância; hoje, em fim de carreira, queria apenas uns trocados para completar o valor de um maço de cigarros.

Voltando à praça, para ver os enfeites de Natal e prosear um pouco com uns “malucos da estrada” com seu comércio de calçada, lembrei do dia em que, também a pé, fazendo o mesmo trajeto, segui o recém-eleito Wilson Barbosa Martins até o hotel Campo Grande, que disputava com o Pousada do Bosque, de Ponta Porã, o troféu da melhor feijoada do Mato Grosso do Sul. Talvez vítimas de meu “mau-olhado”, Wilson e dona Neli mal se sentaram quando um garçom atrapalhado despejou sobre eles uma bandeja de sucos e cervejas.

Desta vez, antes de seguir para o Hotel Campo Grande, desci a Barão do Rio Branco para ver se o velho prédio onde morava o ex-governador e senador José Fragelli também estava de pé. Como esquecer o dia em que lá estive com Roberto Djalma Barros, candidato a deputado estadual, que tentava arrancar uns trocados de Fragelli, então candidato ao Senado? Ele nos desmontou com uma frase certeira:

“Não preciso gastar dinheiro. Vou ser senador de qualquer jeito.”

Fragelli sabia o que dizia, na certeza de que o eleito seria Pedro Pedrossian, que faria — como fez — tudo ao seu alcance para ser nomeado governador, o que só se concretizou — após “derrubar” os dois primeiros governadores, Harry Amorim Costa e Marcelo Miranda Soares — depois de um curto período como senador. Naquela época, o suplente era o segundo candidato mais votado — um método, convenhamos, bem mais legítimo deste que possibilita a compra de vagas futuras por candidatos a suplentes, como aconteceu por aqui, não faz faz muito tempo.

Ao ver a fachada do prédio onde morava Fragelli, lembrei até do número do apartamento, o 42. Pensei em tocar alguma campainha, mas não foi preciso: dei de cara com um senhor que saía para depositar o lixo num contêiner. Ah… esses algoritmos! Era seu João Ferreira, síndico do prédio e ex-motorista de Fragelli. A emoção nos contagiou: eu lembrando de histórias como a da lista tríplice levada pelos políticos do Mato Grosso ao presidente Médici para escolha do governador — quando o general perguntou se o nome de Fragelli estava nela, pois já havia decidido nomear seu ex-assessor jurídico da 4ª Divisão de Cavalaria — e seu João lembrando da simplicidade do velho chefe, sempre pedindo para parar o carro para comprar bugigangas, principalmente de ambulantes indígenas.

Seu João, aos 64 anos, só misturou as bolas quando mencionou os tempos em que Fragelli teria sido vice-presidente de José Sarney. Com jeitinho, coloquei os pingos nos is: como presidente do Senado, Fragelli apenas empossou Sarney após a morte de Tancredo Neves. Muito mais que isso: foi ele, pelo pulso firme, quem garantiu a posse de Sarney, enquanto Tancredo agonizava no hospital, naqueles dias tensos da República.

Meu périplo termina no Hotel Campo Grande, abandonado havia anos por causa do imbróglio do testamento da família Coelho e agora quase totalmente reformado, prestes a voltar à cena sob a bandeira Slaviero. Curiosamente, a rede hoteleira nasceu em Curitiba um ano antes do famoso “banho” que o governador eleito Wilson levou ali mesmo onde está nascendo sua quadragésima filial brasileira.

Assim como Jânio Quadros, que dizia ser campo-grandense, mas confundia o eleitor dizendo ter nascido em Corumbá; assim como José Fragelli, este sim, corumbaense, mas que dizia ser aquidauanense; havia controvérsias sobre o local de nascimento do campo-grandense Wilson Martins, que muitos garantiam ser de Rio Brilhante, terra do duas vezes governador interino Londres Machado, o mais longevo cacique político da região de Fátima do Sul. Fátima, por sua vez, onde o três-lagoense Ramez Tebet, governador e senador, exercia grande influência por ser dali sua esposa, Fairte Nassar Tebet.

Pedro Pedrossian, o governador que mais fez por Campo Grande, era de Miranda; Zeca do PT, nascido em Porto Murtinho, fez carreira política na capital; André Puccinelli, que dividia com Londres o mando paroquial de Fátima do Sul, se projetou definitivamente em Campo Grande; e o campo-grandense Reinaldo Azambuja fez o caminho inverso, adotando Maracaju como reduto eleitoral, onde começou também a lapidação do projeto do carioca Eduardo Riedel.

Depois de todo esse vai-e-vem de certidões de nascimento — umas contestadas, outras reivindicadas e algumas até romantizadas — os douradenses que me perdoem a franqueza: enquanto não nascer alguém com aquilo “aquilo roxo”, como dizia o ex-presidente Collor de Mello, talvez seja hora de adotar de vez Eduardo Riedel, que vem se oferecendo, com naturalidade e proximidade, para ser o governador de todos os douradenses. E, convenhamos, depois de trilhar picadas, encurtar estradas e assumir como suas as paisagens que o moldaram, poucos têm credencial mais legítima para esse título.

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