A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quarta-feira o projeto de lei da Dosimetria, relatado por Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que altera o cálculo de penas aplicadas a crimes contra o Estado Democrático de Direito e pode reduzir significativamente o tempo de prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Foram 291 votos favoráveis e 148 contrários. Todos os destaques votados em plenário foram derrubados.
A apreciação da matéria se iniciou pouco depois das 23h e se estendeu até 4h da manhã. Aprovada a redação final, o texto segue para o Senado. Após a aprovação, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) discursou, afirmando que o Parlamento encontrou um “ponto de convergência”.
— O que aconteceu foi muito grave, mas desde que assumimos tentamos tentar encontrar um ponto de convergência. Hoje, estamos concluindo essa votação complexa. Quero dizer que o trabalho que Paulinho fez respeitou o devido processo legal e o julgamento do STF. Uma construção política para descomprimir o país. Uma polarização tóxica e improdutiva, que não produz nada.
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Mesmo com orientação contrária, o governo não conseguiu barrar a votação, que avançou após um acordo articulado pelo PL e apoiado por partidos do Centrão para levar o texto ao plenário na madrugada desta quarta-feira.
O relator afirmou que, pelas novas regras, Bolsonaro poderia cumprir apenas dois anos e três meses em regime fechado, embora não tenha detalhado o cálculo. A estimativa decorre da unificação das penas pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito — hoje somadas pelo STF — e da retomada da progressão após 1/6 da pena, prevista no substitutivo nas regras gerais da execução penal para crimes não hediondos.
Na prática, a pena total aplicada ao ex-presidente, atualmente de 27 anos e 3 meses, cairia para algo próximo de 21 anos, permitindo avanço ao semiaberto em cerca de 3 anos e 6 meses. O número citado por Paulinho considera fatores adicionais que aceleram a progressão.
O substitutivo também deixa explícito que, caso Bolsonaro venha a cumprir parte da pena em prisão domiciliar, períodos em casa poderão ser computados para remição por estudo ou trabalho — ponto hoje marcado por divergências jurisprudenciais.
Bastidores: acordo após aval de Bolsonaro e pressão sobre Flávio
Nos bastidores, lideranças relatam que a decisão do presidente da Câmara de pautar o tema foi precedida por conversas reservadas com dirigentes do centrão e pelo aval explícito de Bolsonaro ao texto.
Dois dias antes, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) havia dito a aliados que tinha um “preço” para retirar sua candidatura ao Planalto, indicando que a condição seria uma saída jurídica para o pai, declaração que repercutiu entre caciques da centro-direita.
Na segunda-feira, Flávio se reuniu com Antônio Rueda (União Brasil), Ciro Nogueira (PP) e Marcos Pereira (Republicanos) para tratar de sua recém-oficializada pré-candidatura.
Ouviu, porém, que há dúvidas sobre a “tração” eleitoral do seu nome e que, hoje, a preferência de parte dessas siglas é pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Interlocutores relatam que, diante da sinalização negativa, a votação da dosimetria se tornou uma espécie de “gesto” ao bolsonarismo num momento em que líderes do centrão avaliam ser necessário que Flávio recue e abra caminho para Tarcísio.
A base do governo diz ter sido “atropelada” pelo arranjo que permitiu a votação. Governistas afirmam que, logo pela manhã, Motta comunicou aos líderes que levaria o projeto ao plenário, após reuniões com PL, PP, Republicanos e União Brasil. A percepção entre aliados de Lula é que o movimento faz parte de um tabuleiro maior envolvendo a candidatura de Flávio e a pressão interna para reorganizar o campo da direita.
Crise após tumulto no plenário
A análise do projeto chegou a ficar suspensa após o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), ameaçado de cassação, ocupar a cadeira da Presidência e ser retirado à força pela Polícia Legislativa. A Mesa determinou a restrição de acesso ao plenário, o que acirrou o clima.
O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), disse em plenário que Motta estava “perdendo as condições de seguir” na Presidência da Câmara, e outros governistas procuraram até o ex-presidente da Casa Arthur Lira (PP-AL) na tentativa de adiar a votação.
Acordo com a oposição e cálculo eleitoral
A oposição recuou da ideia de apresentar uma emenda de anistia ampla para garantir a aprovação da redução das penas.
— Não apresentaremos emendas. Fizemos um acordo com o presidente da Câmara. Bolsonaro nos autorizou a avançar na redução das penas. Foi o acordo possível — disse Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL.
Motta negou pressões externas para pautar o texto e afirmou que a matéria “estava madura” para votação.
No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União-AP) prometeu votar o projeto ainda este ano. Já o presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), defendeu que a proposta seja discutida presencialmente, sem atropelos.
Reação do STF e cálculo político de longo prazo
Ministros do Supremo avaliam que o projeto não invade prerrogativas da Corte, já que a recalibragem de penas continuará dependendo de decisões individuais dos magistrados. A leitura entre alguns integrantes é de que o texto pode funcionar como válvula de escape para reduzir a pressão pela anistia irrestrita.
Para o governo, no entanto, a proposta cria brechas para redução expressiva das penas e atende sobretudo ao PL, que vinha pressionando o Congresso por uma saída para Bolsonaro e para os condenados pelos atos de 8 de janeiro.
Caso o Senado também aprove, a proposta seguirá para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Luísa Marzullo e Lauriberto Pompeu — Brasília
