Não estranhem um texto de futebol num site político. Afinal, o titular do contrapontoMS começou sua lida jornalística há exatos 55 anos cobrindo uma partida de futebol amador, no velho estádio da LEDA, para a antiga folha de dourados. Futebol, portanto, nunca foi assunto estranho por aqui — apenas ficou um tempo na reserva, esperando o momento certo de voltar ao jogo.
E o momento veio na imagem do goleiro Cássio, rezando na última quarta-feira no Mineirão, diante de cerca de sessenta mil torcedores, a maioria esmagadora do cabuloso Cruzeiro. Aquela cena provoca reflexões que vão muito além da fé ou do futebol em si. Como corintiano, confesso: rezei junto com Cássio. Claro que pelo meu Curíntia. Mas, imediatamente, fui tomado por uma dúvida teológica das grandes: afinal, por quem exatamente estaria rezando o goleiro? Por ele próprio, para não engolir nenhum frango justamente contra o ex-time? Pelo Cruzeiro, seu novo clube? Ou pelo Timão do Parque São Jorge, ao qual dedicou uma vida inteira?
A dúvida não é à toa. Cássio é o segundo jogador com mais partidas pelo Corinthians em toda a história do clube — mais de 712 jogos, ficando atrás apenas de Wladimir, com 806. Foram anos e anos de defesas milagrosas, mãos erguidas, olhos fechados e orações silenciosas. Deus, portanto, passou mais de sete centenas de partidas ouvindo o mesmo goleiro pedir proteção para si e para o Timão. Tudo isso, claro, amparado por São Jorge — que, mesmo cassado oficialmente pela Igreja Católica, segue com inegável prestígio lá por cima, especialmente entre corintianos.
Não é exagero, pois, imaginar que isso tenha levado não só o Criador Supremo, mas também seu Filho unigênito, o Cristo, e toda uma plêiade de espíritos elevados, a se transformarem num bando de loucos de arquibancada. Daí à dedução lógica é um pulo: se, como disse o Papa Francisco ao chegar ao Brasil, “o Papa é argentino, mas Deus é brasileiro”, sendo Deus brasileiro, é evidente que Ele também é corintiano.
Até porque — convenhamos — nenhum goleiro, nem mesmo do Flamengo, intercedeu tanto por um clube quanto Cássio intercedeu pelo Corinthians. E antes do Grande Arquiteto do Universo, há também o grande arquiteto da Arena Neo Química, em Itaquera: o mais ilustre dos corintianos vivos, o presidente Lula da Silva.
Resta, então, uma hipótese alternativa: talvez a reza de Cássio na quarta-feira passada, na nova casa do Cruzeiro, tenha sido dirigida a São Sebastião ou a São Francisco de Assis, padroeiros do clube mineiro. Mas aí entramos num terreno perigoso: o da heresia. Afinal, depois de tantos anos pedindo a São Jorge e a Deus pelo Timão, assim, do nada, mudar de santo e de endereço celestial? Não se brinca com Deus, nem com Seu Filho, nem com seus espíritos torcedores.
E Deus, como todo bom corintiano, pode até perdoar. Mas não costuma esquecer. Principalmente quando a infração é dentro da área, na cara do gol, sem necessidade. Porque lá em cima não tem juiz caseiro nem empurrão de bastidor: tem VAR. E o VAR celestial não aceita choro, nem discurso, nem coletiva mal ensaiada.
Na política e no futebol desses tempos esquisitos, o que mais se vê são gols contra. Uns chutados por Lula, outros pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, que anda batendo na bola como zagueiro afobado em final de campeonato — com o devido perdão à Paraíba, que até hoje não conseguiu colocar um time sequer nas divisões de acesso do Brasileirão ou nesta sempre tão sonhada Copa do Brasil. Mas o fato é simples e implacável: quando o erro vem de dentro da própria área, não adianta culpar o adversário. A bola entra, o placar muda e a torcida vê tudo no telão.
A menos — sempre há um “a menos” — que Cássio tenha se mantido fiel à sua devoção original, rezando baixinho pelo velho amor enquanto vestia outra camisa. Aí não é heresia: é pragmatismo. É aquela velha lógica que o futebol ensina e a política confirma todos os dias — muda-se o uniforme, muda-se o discurso, mas o coração continua jogando no mesmo time. E nisso, convenhamos, Deus entende, o VAR confirma e a arquibancada, como sempre, sentencia antes do apito final.
