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segunda-feira, dezembro 15, 2025

A crise climática não é de direita nem de esquerda — é do Brasil que não aprende

Enquanto direita e esquerda disputam narrativas, o clima cobra a conta das decisões tomadas ao longo dos últimos governos

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O Brasil está simultaneamente afundando, queimando e voando, mas ainda insiste em transformar tudo isso em debate entre direita e esquerda, como se ciclones, vendavais e enchentes consultassem urna eletrônica antes de destruir cidades. O Rio Grande do Sul submergiu como nunca, esta semana foi a vez de São Paulo quase arrancada do chão por ventos de 100 km/h, mergulhando num breu total, estabelecendo-se o caos. O Pantanal ardeu outra vez em níveis históricos, rios de Mato Grosso do Sul viraram estradas improvisadas — como ocorreu em Jardim — e o Taquari segue agonizando sob camadas de areia acumuladas ao longo de décadas de uso irresponsável do solo. E, diante desse colapso evidente, a velha pergunta ressurge com sua velha inutilidade: “A culpa é da direita ou da esquerda?” A resposta, desconfortável para todos, é simples: é do Brasil inteiro, porque o que está em jogo não é ideologia, mas um modelo de desenvolvimento que destruiu a base natural do país e agora apresenta a conta.

Para entender essa tragédia sem cair na armadilha da polarização, basta observar a biografia de duas mulheres que, de formas diferentes, explicam o país melhor que qualquer debate televisivo: Marina Silva e Tereza Cristina. Não porque sejam opostos políticos — mas porque se tornaram símbolos involuntários das escolhas que o Brasil fez e das escolhas que deixou de fazer. Marina, filha de seringueiros, alfabetizada apenas na adolescência, sobrevivente de mercúrio e de doenças da floresta, aliada de Chico Mendes e reconhecida internacionalmente por sua atuação ambiental, passou a vida inteira alertando que o desmatamento destruiria o equilíbrio climático, que o fogo no campo alteraria a atmosfera, que o uso predatório do solo produziria enchentes e secas cada vez mais violentas; que o país estava caminhando, voluntariamente, para o desastre. Alertas todos ignorados. Pela direita, que a chamou de inimiga do desenvolvimento. Pela esquerda, que a descartou quando atrapalhou acordos internos. Pelo centro, que nunca esteve interessado em ouvir alguém que não rendesse votos imediatos. O Brasil não ouviu Marina — e agora vive exatamente o que ela antecipou, sem tirar nem pôr.

Do outro lado, Tereza Cristina, engenheira agrônoma, filha de fazendeiros, liderança absoluta da bancada ruralista, a ministra bolsonarista que acelerou como nunca a liberação de agrotóxicos e defendeu a expansão agrícola irrestrita, representando o agro que produz, exporta, gera PIB, mas que sempre tratou questões ambientais como entraves burocráticos ou exageros ideológicos. A senadora Tereza não inventou o agronegócio brasileiro; apenas o executou como o Brasil sempre quis: avançando para onde desse, cortando floresta como quem corta gordura, apostando que a abundância de terra e água seria eterna. Esse modelo — o único que o país aprovou, financiou e aplaudiu por décadas — agora revela sua ruína: rios assoreados, solos exaustos, queimadas incontroláveis, secas recordes e eventos climáticos extremos que não respeitam fronteiras agrícolas nem urbanas.

Enquanto isso, o debate público segue contaminado por simplificações: uns dizem que a culpa é de Lula; outros, que é de Bolsonaro; uns culpam o STF; outros, agora, a suposta “absolvição” de Alexandre de Moraes na lei Magnitsky; alguns, perdidos no labirinto da ignorância, chegam a acusar até Trump de comunista. É a degradação completa da inteligência nacional, onde até o jardineiro Beijinho, da antiga Rádio Clube de Dourados, se estivesse vivo, e seu boi, posariam de analistas climáticos nas redes. Mas a crise não depende de opinião, e sim de física: queimou demais, desmatou demais, dragou demais, envenenou demais. O clima não reage a hashtags. Reage a séculos de escolhas erradas.

E não foi um governo específico que produziu isso. Foi um país inteiro. Governos de direita defenderam o desmonte ambiental. Governos de esquerda mantiveram o agronegócio crescendo sem limites. Congressos sucessivos, de todas as composições, esvaziaram pautas, agências reguladoras, flexibilizaram licenciamento, premiaram quem destruiu e castigaram quem preservou. Produtores avançaram sem manejo. Cidades cresceram sem drenagem. Prefeituras ignoraram zoneamento. Estados permitiram queimadas “controladas”. E a população, sempre cúmplice involuntária ou voluntária, preferiu acreditar que natureza é decoração e clima é opinião.

Agora está tudo aí, explícito, evidente, matemático: o Pantanal queimado como brasa viva; o Taquari transformado num cadáver hídrico; Jardim e Bonito com rios tão assoreados que funcionam como estradas; São Paulo exposta a ventos que antes só existiam em filmes; e o Sul submerso na maior enchente de sua história. Neste sábado, foi Araçatuba, em São Paulo, que amanheceu debaixo d’água. O Brasil não está sofrendo uma tragédia natural; está colhendo a consequência lógica de um projeto nacional baseado em devastação contínua.

A verdade é simples, e dura: se o Brasil tivesse ouvido Marina, parte disso seria evitável. Se o Brasil tivesse limitado Tereza, outra parte também seria evitável. Mas o país não quis limites. Quis lucro rápido, avanço acelerado, produtividade recorde, crescimento imediatista — e agora descobre que, sem clima, nada disso existe.

A crise climática brasileira não é ideológica. É resultado. É consequência. É fatura vencida. E a natureza é o único credor que não renegocia dívida.

Enquanto o Brasil continuar usando o clima como arma política, continuará se surpreendendo com o óbvio: tragédia não tem lado. Só tem causa. E causa conhecida não pode ser chamada de surpresa.

O país pode culpar quem quiser — Lula, Bolsonaro, STF, agro, ambientalistas, até o boi do Beijinho ou Trump. Não fará diferença. O inimigo está aí encarando, desafiando e até debochando de todos. E se nada mudar, a única coisa que restará decidir é quem anunciará o obituário da nossa própria soberania climática.

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