A notícia de que o deputado estadual Roberto Razuk Filho — o Neno Razuk — foi condenado a 15 anos, 7 meses e 15 dias de prisão por organização criminosa armada, exploração do jogo do bicho e roubo majorado teve um impacto que vai muito além dos autos de uma 4ª Vara Criminal de Campo Grande.
Não se trata apenas de mais um processo. Trata-se de um marco altamente significativo numa história que já vinha sendo investigada e debatida há anos, sob o olhar atento do Ministério Público e das forças de segurança. Desde a deflagração da Operação Successione, em dezembro de 2023, Neno Razuk vinha sendo apontado pelos promotores como um dos principais articuladores de um esquema que não era eventual ou pontual, mas uma “organização criminal estruturalmente ordenada”, com divisão de tarefas e atuação contínua em Campo Grande.
A sentença do juiz José Henrique Kaster Franco — longa, detalhada e explicitamente ancorada em provas como a apreensão de 705 máquinas eletrônicas de apostas e a participação em três roubos com uso de arma de fogo — reafirma que o Estado de Direito continua sendo um parâmetro, mesmo quando a política e o poder tentam embaralhar as cartas.
É impossível dissociar essa condenação do contexto mais amplo em que o jogo do bicho se transformou no MS ao longo de décadas: uma atividade ilegal que deixou de ser mera contravenção para operar como negócio estruturado, com hierarquia, financiamento e disputa sangrenta por território, especialmente após o esvaziamento do grupo antigo que dominava a jogatina na capital — a família Name — durante a Operação Omertà, em 2019.
O Ministério Público sempre sustentou que o grupo de Razuk não era apenas uma rede de apostas clandestinas, mas um aglomerado de práticas criminosas que perpassavam a exploração de jogos ilegais, roubos e violência — um pacto do crime, como colocou o próprio juiz ao proferir a sentença.
E aqui está o ponto crucial para quem acompanha essa trama com olhos atentos: a condenação veio mesmo diante do argumento de foro privilegiado, que tantos tentaram — e tentam até hoje — usar como escudo para evitar a responsabilização penal plena. Segundo a sentença, “nenhum desses delitos tem a mais remota ligação com o exercício das atribuições constitucionais de um deputado estadual”, e a pena foi mantida em todo o seu rigor.
Vale lembrar que, ao longo do processo, a defesa clamou por nulidades e aguardou com esperança de absolvição, chegando até a afirmar que nenhuma prova conclusiva havia sido produzida — um movimento que agora encontra resposta jurídica clara na condenação pesada.
Isso não significa que a história terminou — o condenado ainda poderá recorrer em liberdade, como prevê o sistema jurídico. Mas a decisão de 15 anos deixa uma marca institucional forte e constrangedora: se antes havia rumores, bastidores e versões conflitantes, agora há uma sentença robusta que descreve um modelo de ação criminosa claramente organizado e sistemático.
Em um Estado onde muitos políticos se acostumaram a navegar entre processos que nunca caminham para seu desfecho, esta sentença representa uma exceção assinalável — e talvez um aviso de que, mesmo sob ruídos e invisibilizações, a Justiça pode encontrar sua voz.
O que os bastidores políticos, as alianças partidárias e os silêncios institucionais vão fazer com isso ainda é uma questão aberta. Mas uma coisa é certa: as sentenças, quando bem fundamentadas, falam mais alto que os discursos que tentam abafá-las.
O que se abre a partir daqui é uma saia justa monumental para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Com uma condenação pesada, bem fundamentada e produzida na primeira instância, caberá justamente aos desembargadores — lindeiros privilegiados dos demais poderes do Parque dos Poderes — decidir o futuro político e penal de Neno Razuk. Manter, reformar ou anular a sentença deixará de ser apenas um ato jurídico para se tornar um gesto institucional carregado de significado. Não haverá decisão neutra. Qualquer movimento será lido, dentro e fora do Estado, como sinal claro de até onde o TJMS está disposto a ir quando o réu não é um anônimo, mas um político com sobrenome, mandato e história nos bastidores do poder. A toga, agora, pesa — e o silêncio, desta vez, pode custar caro.
