Em debut como foca, ainda, no radiojornalismo e, paralelamente, enfronhando-me nos bastidores políticos como assessor do prefeito João Totó Câmara, fui testemunha de um dos maiores imbróglios político-judiciais da política douradense – a acirrada disputa entre José Elias Moreira e Lauro Machado de Souza pela prefeitura. E uma das lendas extraídas dessa disputa, como não poderia deixar de ser, envolvendo Archimedes Lemes Soares, o Ferrinho, até aí apenas o filho enxerido na política do vereador e presidente da Câmara, Renato Lemes Soares, o “Ferro Velho”, de onde vem o apelido famoso. Ano, 1976. O mesmo Ferrinho que 12 depois protagonizaria outra polêmica, ainda maior, na disputa entre o mesmo Zé Elias, aí com Braz Melo, numa eleição decidida por 41 votos. Agora, aí está ele, de novo. Sim, o filho do velho Renato Ferro Velho, o Ferrinho, candidato a prefeito, mais atual que nunca, até pelo propalado apoio de um incógnito empresário que, pelo poder que diz ter, ele já apelidou de Antônio de La Selva, o poderosíssimo personagem de Toni Ramos na novela das 8 da Globo, em cuja trama são exibidas diariamente cenas de uma fazenda dos irmãos Campina Verde, nas cercanias de Dourados.
Além de Ferrinho, justiça seja feita, outro protagonista histórico daquela eleição entre Zé Elias e Lauro Machado foi o radialista Jorge Antônio Salomão. Diretor da Rádio Clube de Dourados e âncora do famoso programa “A Bronca”, graças ao qual havia sido eleito prefeito anos antes, Jorge Antônio foi quem lançou Zé Elias na política. Como tal, pôs sua emissora a serviço da candidatura de seu pupilo, aproveitando-se de uma denúncia falsa de que alguns eleitores de Lauro estavam de posse de títulos em duplicata e, se pegos em flagrante, poderiam ser presos e a eleição anulada. O articulador da trama, Archimedes Lemes Soares. Diz a lenda que Ferrinho, mancomunado com Ivo Cersósimo, também candidato a prefeito, teria batido de porta em porta, passando-se por policial, advertindo os incautos eleitores de Lauro Machado sobre o risco que corriam. De sua parte Jorge Antônio fez uma entrevista com o juiz eleitoral Volney de Oliveira, induzindo o magistrado a reforçar a ameaça. A entrevista era repetida de hora em hora, no dia da eleição. Detalhe, a Rádio Clube era a única emissora da cidade. Deu Zé Elias, claro. Ponto para Ferrinho e Jorge Antônio.
As eleições de 1988 foram as mais acirradas da história da terra de seu Marcelino. O ex-prefeito José Elias, aí do alto, já, de sua condição de melhor prefeito da história e deputado Federal Constituinte, sendo derrotado por Antônio Braz Melo, o candidato que tinha o apoio da máquina do governo do Estado, à época comandado por seu amigo Marcelo Miranda Soares. A judicialização dessa eleição chegou ao TSE, com Braz Melo vencendo em todas as instâncias. A alegação da candidatura Zé Elias era de uma irregularidade na urna 185, do Colégio Tancredo Neves, no Parque das Nações II Plano. E onde Ferrinho entra nessa história? Inconformado por seu candidato, Zé Elias, levar de lavada em todas as urnas de seu reduto eleitoral, ele alegou ter visto viu alguma coisa estranha na hora do fechamento daquela urna e convenceu os fiscais da Justiça Eleitoral pela impugnação. Caso os votos fossem anulados, Zé Elias levava, de novo.
Agora, 35 anos depois, não à toa Ferrinho inicia sua pré-campanha de prefeito pela mesma região dos Parques das Nações, confiante, mais do que nunca, porque não se trata de transferência de votos, mas votos para si próprio. E, mais, invocando o espírito do maior fenômeno eleitoral já visto por essas bandas, para ele “o injustiçado Ari Valdecir Artuzi”. Ele garante que vai honrar o legado eleitoral de Artuzi, também priorizando as metas sociais do ex-prefeito preso e obrigado a renunciar durante a Operação Uragano. “O pobre vai voltar a ter vez”, diz, por onde passa.
“…se não vier pelo amor vem pela dor”.
Ferrinho, sobre eventual apoio do ex-deputado Roberto Razuk
Ferrinho alega que está cansado de carregar o piano para políticos que não fazem jus ao voto popular. Mas quem, afinal é esse tão decantado apoiador, o seu “Antônio La Selva?”. Morto Celso Dal Lago e Sizuo Uemura muito doente (dois dos principais mecenas da política local), Ferrinho descarta peremptoriamente Murilo Zauith, para quem trabalhou em várias eleições e de quem não obteve apoio como empresário prestador de serviços ao tempo da administração do agora ex-amigo. Zé Teixeira? Não, ele não é o seu “Antônio La Selva”, mas diz esperar do deputado a mesma lhaneza no trato como candidato como a que sempre tiveram como amigos e parceiros ao longo dos anos em que trabalharam juntos, e não apenas na política. Roberto Razuk? Embora possa haver alguma semelhança entre os personagens, o da vida real e o da ficção, Ferrinho diz que Razuk “vem na hora certa”. E acrescenta, enigmaticamente: “se não vier pelo amor vem pela dor”.
Correndo o Brasil e a América Latina mais que notícia ruim vendendo frotas de caminhões e de ônibus, ultimamente Ferrinho vem ganhando a vida também como corretor de imóveis. De fazendas, mais especificamente. Nesta condição, tem feito algumas decolagens entre o Norte e o Sul do Brasil. Quem sabe aí esteja a pista para seu voo rumo ao Casarão da Coronel Ponciano. Por enquanto, a semelhança com Antônio de La Selva fica só na caminhonete usada para percorrer os bairros da cidade em busca de votos. Não sem aquela alfinetada básica no provável adversário, Alan Guedes: “Para andar pela periferia de Dourados só mesmo de caminhonete”.
