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sábado, dezembro 27, 2025

O Brasil e a crise do século

Por que o presidente Lula foi aplaudido sete vezes em seu discurso na ONU?

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Decididamente, não é normal. A maioria dos discursos recebem educadas palmas da platéia de chefes de Estado e de diplomatas. São palmas protocolares para discursos protocolares. Por que Lula foi aplaudido sete vezes em palco aberto, como se diz de um grande cantor ou de uma grande bailarina?

Sim, o discurso foi, em si, um marco divisório na retórica diplomática. A começar pela forma em que frases falavam mais do que parágrafos, numa homenagem, diante de uma Babel, do poder de síntese e de clareza de uma língua talvez exótica para a grande maioria dos ouvintes.

Além da forma, do estilo de um orador calejado no diálogo com multidões, havia a contundência das teses, a pureza das análises, a descrição de um estado do mundo agônico. Talvez, aqui se comece a compreender as razões de tantas palmas. Mais do que uma mensagem de aplauso ao orador, surgia nas palmas um eco consagrador de identidade. Aplaudo, porque o que dizes me toca. Aplaudo, porque suas palavras me libertam de uma angústia que me sufoca. Aplaudo sua franqueza, sua coragem de me dizer ser minha cegueira uma forma canhestra de me omitir, de virar o rosto ao que não suporto ver, de escancarar minha cumplicidade com o mal, como se fosse uma anomalia aceitável da espécie humana ou pelo menos de certas camadas da sub-espécie humana.

O discurso de Lula na abertura do debate geral da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 2023 foi diplomaticamente um desnudamento de nosso fracasso como habitantes de um planeta do sistema solar em risco sério de murchar como fruta podre da ganância e da ignorância.

Clara e didaticamente, Lula, desfolhou uma a uma a falência de nossa civilização absurdamente desigual em nossa apropriação do bem comum e da renda do trabalho. Não há no discurso do presidente brasileiro nenhuma metáfora a afagar nossos egos inflados por termos lançados foguetes e ogivas na tentativa de arranhar o espaço sideral, a nos olhar com grande desprezo. Nos julgamos feitos à imagem de Deus e procedemos como micróbios meramente devastadores. Somos uma Pandemia?

Será difícil para os estadistas dos próximos anos voltar à tribuna da ONU sem ver o espectro do discurso de Lula como a forma moderna da esfinge: decifra-me ou devoro-te. Porque Lula enterrou no plenário das Nações Unidas o papo-furado, o bulshitismo, a conversa fiada e sobretudo as “fake-news”.

Mais até, Lula mostrou que o Brasil voltava à ONU com uma missão: a de ajudar no combate à desigualdade, nódoa entranhada na história da humanidade sob diferentes formas de ódio, escancarado ou camuflado. Um homem lobo do homem tão ou mais terrível que os males que nos dizimam por doenças ou acidentes.

Lula não fez um convite. Apenas colocou diante de nós o dilema em que nos encontramos e não teve dúvidas em dar nome aos bois. Apontou para as consequências de uma ideologia corrosiva como o neoliberalismo e sua determinação em corromper os princípios fundamentais do regime democrático em nome de um capitalismo de usura, improdutivo e deletério. Muito longe dos ideais de um Keynes e muito próximo de um iliberalismo de um Mies ou de Milton Friedman, que se notabilizou pela frase “a única função social da empresa é a de dar lucro a seus acionistas”. Ponto parágrafo.

Iludem-se os que atribuem ao compromisso de valorização do emprego sindicalizado, assinado por Lula e Biden, uma nota de rodapé nas relações Brasil- Estados Unidos. A politica de recuperação econômica de Biden coloca ênfase na reabilitação do emprego digno, hoje em risco pelo neoliberalismo nitidamente comprometido apenas com o capital ou apenas com o dinheiro. Money, Money, Money.

Como o próprio Lula reconheceu, as relações com os Estados Unidos passaram a um novo patamar. O Brasil voltou. E mostrou sua verdadeira cara.

Quem viver verá.

Adhemar Bahadian – Embaixador aposentado

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