A Câmara Nacional de Apelações do Trabalho da Argentina suspendeu hoje uma parte do “decretaço” do presidente argentino, Javier Milei, na primeira derrota judicial dele desde a publicação das medidas, em dezembro.Trata-se de uma medida cautelar (temporária) disposta em um processo promovido pelo maior sindicato do país, a Central Geral dos Trabalhadores (CGT).
O jornal argentino Clarín informou há pouco que o governo de Milei, por meio do procurador-geral do Tesouro, Rodolfo Barra, vai recorrer da decisão. Ele vai insistir que a competência para o tema é da Câmara no Contencioso Administrativo Federal e não a Justiça do Trabalho, onde são julgadas ações contra o Estado.
A Câmara Nacional de Apelações do Trabalho, similar à Justiça do Trabalho no Brasil, anunciou a suspensão das novas regras trabalhistas incluídas por Milei em seu amplo Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), editado em 20 de dezembro, que abordou vários aspectos da política econômica.
O argumento central do tribunal trabalhista é o de que não está comprovada nem a necessidade nem a urgência que justifica contornar o Congresso, que é quem legisla, e editar um DNU com tão importantes e numerosas medidas.
Apresentado no último dia 21, o DNU estabelece mais de 300 reformas em amplos setores da economia, incluindo legislações trabalhistas, consideradas pelos sindicatos como prejudiciais aos direitos dos trabalhadores.
A Suprema Corte da Argentina já anunciou que vai avaliar a constitucionalidade do decretaço, a partir de um pedido do governador da província de La Rioja, Ricardo Quintela, que integra a oposição peronista ao governo.
Na decisão de hoje, Milei sofre sua primeira derrota judicial em relação ao decretaço, mas a suspensão parcial mantém a maior parte do pacote de medidas dele em vigor.
Os itens do decreto mais questionados pela CGT contemplam o aumento do período de experiência de novos empregados nas empresas de três para oito meses, a participação em bloqueios ou tomadas de estabelecimentos como justificativa para dispensa e alterações no sistema compensatório de folgas e horas extras.
Decisão temporária
Com os votos dos juízes Alejandro Sudera e Andrea García Vior, o tribunal expediu “medida cautelar suspendendo a aplicabilidade” das mudanças trabalhistas, “até que uma decisão final seja emitida sobre a questão subjacente levantada neste processo.”
A decisão do tribunal marca pelo menos uma vitória temporária para um dos sindicatos mais poderosos da Argentina, a CGT, que solicitou que as medidas trabalhistas. A CGT convocou uma greve geral para 24 de janeiro.
O voto de Alejandro Sudera, ao qual aderiu García Vior, foi apoiado por citações de decisões do Tribunal. Foi lembrado, por exemplo, que “uma doutrina inveterada da mais alta corte (sustenta) que as considerações genéricas expostas no Decreto de Necessidade de Urgência são incapazes de justificar a edição de medidas legislativas pelo Poder Executivo Nacional”.
Por enquanto, a liminar do tribunal ainda evita o pior cenário para Milei, em que todo o decreto é impedido pelo Congresso ou pelos tribunais. Os legisladores ainda têm tempo para votar a favor ou contra o decreto inteiro, embora o Congresso não tenha bloqueado um decreto presidencial nos últimos governos.
Governo não esperava
No governo, a expectativa era de que a Câmara do Trabalho se livrasse hoje do caso e o entregasse aos tribunais em contencioso administrativo, como havia solicitado o procurador-geral da Câmara. Os membros do governo esperavam que naquela jurisdição tudo ficasse congelado até fevereiro, mas a decisão foi diferente.
Os membros da Câmara do Trabalho revogaram na semana passada a decisão do juiz do trabalho de primeira instância José Ignacio Ramonet, que se recusou a conceder a medida cautelar promovida pela CGT sob o argumento de que naquele momento o decreto ainda não estava em vigor (a decisão deles foi a última semana).
María Dora González, em seu voto contrário, sustentou que, conforme determinou o Ministério Público, o processo deveria ser remetido à Câmara de Recursos do Contencioso Administrativo Federal para decidir qual dos dois foros era competente para dar continuidade ao processo. O contencioso acumula diversos processos contra o DNU.
Mas Sudera e García Vior entenderam que, neste momento, era oportuno analisar primeiro se a medida cautelar deveria ou não ser emitida e adiar a questão da jurisdição, que “no melhor dos casos, isso serviria para o mérito do litígio e não para a medida cautelar” que tinham de decidir agora.
Sudera citou o Supremo Tribunal Federal e disse: “O Congresso Nacional tem a função legislativa, o Poder Executivo tem a regulamentação e o Poder Judiciário emite sentenças, com a eminente atribuição de exercer o controle sobre a constitucionalidade das normas jurídicas. Nessa perspectiva, não se pode sustentar, de forma alguma, que o Poder Executivo possa substituir livremente a atividade do Congresso ou que este não esteja sujeito ao controle judicial .
Sudera lembrou também que no acórdão Verrocchi a Corte afirmou que a Constituição Nacional, ao regulamentar o DNU, “é eloquente e as palavras escolhidas em sua redação não deixam dúvidas de que a admissão do exercício do poder legislativo pelo Poder Executivo (…) É feito em condições de rigorosa excepcionalidade e sujeito a exigências formais, que constituem uma limitação e não uma expansão da prática seguida no país”.
O Globo, com Agências Internacionais
