Ministros do STF, o procurador-geral da República e integrantes do Senado, do governo Lula e do PT saíram em defesa de Alexandre de Moraes após o jornal Folha de S. Paulo ter revelado que seu gabinete ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões dele mesmo contra bolsonaristas no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal.
Na lista daqueles que declararam apoio a Moraes estão, entre outros, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, os ministros da corte Gilmar Mendes e Flávio Dino, o PGR Paulo Gonet, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann.
Os desagravos a favor de Moraes ocorrem no momento em que, após as revelações do jornal, parlamentares da oposição ao governo Lula anunciaram um novo pedido de impeachment contra Moraes. A cúpula do Senado, porém, resiste a essa possibilidade.
Já o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou ser grave o conteúdo de mensagens. “Acho que é grave, acho que tem que ser investigado, tem que ser esclarecido. As pessoas, qualquer autoridade, devem satisfação à sociedade. É um caso que tem que ser apurado com todo rigor e ter as consequências necessárias.”
Diálogos aos quais a reportagem teve acesso mostram como o setor de combate à desinformação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido à época por Moraes, foi usado como um braço investigativo do gabinete do ministro no Supremo.
As mensagens revelam um fluxo fora do rito envolvendo os dois tribunais, tendo o órgão de combate à desinformação do TSE sido utilizado para investigar e abastecer um inquérito de outro tribunal, o STF, em assuntos relacionados ou não com a eleição de 2022.
Em alguns momentos das conversas, assessores relataram irritação de Moraes com a demora no atendimento às suas ordens. “Vocês querem que eu faça o laudo?”, consta em uma das reproduções de falas do ministro. “Ele cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia”, comentou um dos assessores. “Ele tá bravo agora”, disse outro. Em vários casos, os alvos de investigação eram escolhidos pelo ministro ou por seu juiz assessor.
Os diálogos mostram também que os relatórios eram ajustados quando não ficavam a contento do gabinete do STF e, em alguns episódios, feitos sob medida para embasar uma ação pré-determinada, como multa ou bloqueio de contas e redes sociais.
Nos áudios, o juiz instrutor Airton Vieira demonstrou preocupação com a forma de atuação dos gabinetes do ministro. “Formalmente, se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim. Como um juiz instrutor do Supremo manda [um pedido] pra alguém lotado no TSE e esse alguém, sem mais nem menos, obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
Nesta quarta, Barroso fez um desagravo em favor de Moraes. Segundo o presidente do STF, como o condutor dos inquéritos das fake news e das milícias digitais na corte era Moraes, e, à época, o ministro também presidia o TSE, “a alegada informalidade é porque geralmente ninguém oficia a si próprio”.
“Na vida, às vezes existem tempestades reais e às vezes existem tempestades fictícias. Acho que estamos diante de uma delas”, disse Barroso, que afirmou ainda terem ocorrido interpretações erradas das mensagens trocadas por auxiliares do ministro.
Gilmar, em discurso lido, disse que “a censura que tem sido dirigida ao ministro Alexandre, na sua grande maioria, parte de setores que buscam enfraquecer a atuação do Judiciário e, em última análise, fragilizar o próprio Estado democrático de Direito”.
Moraes falou em seguida. Segundo ele, o “caminho mais eficiente para a investigação naquele momento era a solicitação [de relatórios] ao TSE”, e “lamentavelmente, num determinado momento, a Polícia Federal pouco colaborava com as investigações”.
Gonet, por sua vez, disse na sessão do STF que verificou pessoalmente, em sua atuação na corte e no STF, “as marcas de coragem, diligência, assertividade e retidão nas manifestações, decisões e no modo de conduzir o processo” de Moraes.
Segundo o PGR, o Ministério Público foi acionado por Moraes em todos os momentos em que a atuação acusatória era cabível. Mais cedo, o ministro do STF Flávio Dino pediu aplausos a Moraes em um evento. “Neste momento, ele é acusado de um crime gravíssimo, qual seja cumprir o seu dever de ofício”, disse.
Aliados do presidente Lula também defenderam o ministro e descartaram comparações entre a conduta do magistrado e a do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil). Além de Alckmin, ao menos outros três ministros de Lula defenderam Moraes publicamente.
Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) afirmou nas redes sociais não ver irregularidades na conduta de Moraes. Disse que ele “sempre se destacou por seu compromisso com a Justiça e a democracia”. “Do mesmo modo, tem atuado com absoluta integridade no exercício de suas atribuições na Suprema Corte”, escreveu.
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) endossou o comentário do colega de Esplanada em postagem no X. “Alguns fizeram comparações indevidas com irregularidades cometidas por um certo juiz. Mais uma tentativa frustrada de questionar a devida apuração e punição dos crimes contra a democracia.”
O ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) disse que as acusações são uma tentativa de desacreditar o STF.
“A matéria que acusa o ministro Alexandre é sensacionalista e não corresponde à verdade. A matéria só tem o efeito de alimentar o movimento de tentar desacreditar o STF para incidir no julgamento do inelegível”, disse Teixeira no X.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio, Geraldo Alckmin, afirmou que Moraes tem “rigor ético absoluto” e que o país deve muito a ele. O magistrado, como ele próprio lembrou, foi seu secretário de Justiça e depois de Segurança Pública no Governo de São Paulo, antes de tornar-se ministro da Justiça de Michel Temer (MDB) e, posteriormente, chegar ao Supremo.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que Moraes atuou “simultaneamente”, tanto como presidente do TSE quanto como relator do inquérito das fake news, em defesa da democracia.
Um novo pedido de impeachment contra Moraes foi apresentado por parlamentares da oposição nesta quarta e será protocolado em 9 de setembro para que haja a coleta de mais assinaturas. Ele está sendo coordenado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), que citou a reportagem como a “ponta do iceberg”.
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou que o relato pode representar crime e interferência ilegal nas eleições em que o pai foi derrotado por Lula.
“Desequilibrando a disputa presidencial. Algo que já suspeitávamos. Se confirmando isso aqui, é uma prova de que houve essa interferência, pessoal, direta, criminosa”, discursou Flávio. “Em se confirmando não tem como esse plenário não tomar alguma atitude.” O ex-presidente republicou os vídeos do discurso do filho, apesar de não ter se manifestado diretamente sobre o caso.
Aliados do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmam que a posição dele, abertamente contra o impeachment de ministros do STF, não deve mudar.
Apesar dos acenos feitos à oposição por Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), favorito para voltar à presidência da Casa no ano que vem, senadores no entorno dele afirmam que ele sabe do impacto que traria um afastamento.
Senadores da base de Lula buscaram minimizar a situação de Moraes. “Eu nem falo pelo crédito que ele teve, pela coragem que ele teve, pela capacidade que ele teve de sustentar o regime democrático na iniciativa de golpe”, disse Otto Alencar (PSD-BA), líder da maior bancada do Senado. “As declarações dele que eu vi me convencem de que não há necessidade, absolutamente, de impeachment nem de CPI.”
Folha de S. Paulo/Edição impressa