A análise do cenário político em Dourados após as eleições revela um momento de profunda transformação e consolidação de novas lideranças. E de novos conceitos. Além do inusitado dos dois vereadores mais votados — uma dona de “zona”, Isa Cavala Marcondes, e um representante da comunidade LGBTQIA+, Franklin Rosa — a vitória de Marçal Filho, agora consolidado como um dos maiores nomes da história política da terra de seu Marcelino traz à tona questões centrais sobre o papel da tão falada máquina do governo do estado e o peso dos apoios de alguns “coronéis” da política estadual, muitos, obviamente, em fim de carreira.
Alguns, de Dourados, em cujas trajetórias caberá a Marçal a prazerosa tarefa de jogar uma pá de cal. Casos mais notórios, os de Roberto Razuk, que não deu conta de eleger vereador o filho caçula, Rafael, e o do um dia todo-poderoso Murilo Zauith, que encerra a carreira pagando um mico histórico, por não conseguir reeleger o pupilo Creusimar Barbosa e, pior, seu fiel escudeiro de momento, José Nunes, presidente da UDAM (União Douradense de Associações de Moradores). Detalhe que sela o destino de Murilo Zauith: Nunes não passou dos cem votos. Mas isso é assunto para – muitos – outros textos.
Marçal Filho se elegeu prefeito de Dourados com uma vitória estrondosa, e o destaque não foi apenas pela quantidade (mais de 60 mil votos) de votos, mas pela forma como conduziu sua campanha. A grande narrativa que emerge é sua capacidade de vencer com base em seus próprios méritos. E com confiança no taco, por exemplo, ao se recusar a participar de debates pela certeza de que, como líder absoluto das pesquisas, seria o alvo preferido da lacração dos adversários. Radialista de prestígio, com uma longa carreira política que inclui mandatos de vereador (2), deputado estadual (1) e deputado federal (4), ele construiu uma trajetória pública sólida que lhe deu essa vantagem significativa nas eleições.
A derrota do tucano Beto Pereira (PSDB) em Campo Grande tirou uma tonelada de peso das costas do também tucano Marçal Filho, que se viu liberto da comparação direta com um governo que vinha perdendo influência, especialmente em Dourados. Vale ressaltar que nas últimas duas eleições municipais, os candidatos apoiados pelo governo estadual — Geraldo Resende e Barbosinha — foram fragorosamente derrotados, o que evidenciou uma ruptura entre as estratégias estaduais e as necessidades locais.
Marçal Filho, apesar de reconhecer a importância do alinhamento com o governo para uma gestão eficiente, soube manter sua independência política durante a campanha. A promessa de apoio administrativo do governo do estado, fundamental para a gestão municipal, nunca foi recusada. Não por coincidência, pelo fato ser o novo e com futuro na política, a figura do governador Eduardo Riedel foi exaustivamente explorada na propaganda eleitoral tucana.
A derrota do candidato do establishment em Campo Grande expõe uma questão que muitos analistas políticos já vinham levantando: a influência da máquina do governo, muitas vezes superestimada, não garante vitória. O sucesso de Marçal Filho prova que, embora o apoio do governo seja importante, ele não é suficiente para assegurar uma vitória eleitoral. Marçal soube esperar o momento certo para transformar seu sonho de ser prefeito em realidade, construindo uma candidatura autônoma e apontando consistentemente os erros da gestão de Alan Guedes durante todo o mandato.
A recusa em aceitar coordenadores de campanha indicados pelos coronéis da política e sua decisão de dispensar o apoio de figuras políticas tradicionais e ligadas a velhos esquemas, como os dos deputados Zé Teixeira e Geraldo Resende, reforçam sua postura independente. Ele optou por liderar com seu próprio time, o que lhe deu ainda mais legitimidade.
Com essa vitória, até pelas circunstâncias da campanha — uma guerra de baixarias eleitorais sem precedentes — Marçal Filho passa a ser uma referência legítima da política local, rompendo com os esquemas tradicionais e fortalecendo sua liderança com uma base popular que parece cansada dos mesmos nomes de sempre. A partir de agora Dourados pode, enfim, vislumbrar uma nova era de protagonismo na política estadual como acontecia, de forma efetiva, nos tempos de João Totó Câmara e José Elias Moreira; depois com Braz Melo também ensaiando voos mais altos, o próprio Murilo Zauith, mas de forma muito tímida, sem contar o fenômeno Ari Artuzi, que só não foi longe porque seu voo foi abatido ainda na cabeceira da pista.