O mistério em torno da demora na divulgação oficial dos nomes do secretariado do prefeito eleito Marçal Filho só não é maior do que outro: uma verdadeira lenda urbana, segundo a qual nada se faz hoje na política estadual sem a autorização de um misterioso “rei”. Por trás dessa lenda, além da imposição do processo político-partidário, como, por exemplo, a definição de quem pode ser candidato e a quais cargos, ou ainda a distribuição de recursos entre partidos e seus respectivos candidatos, surge agora uma novidade: a imposição de nomes para os secretariados municipais.
Com o atraso no anúncio, o que já vem sendo chamado de “amigos secretos” deste alvissareiro Natal do radialista Marçal Filho pode pôr fim a essa questionada subserviência dos políticos douradenses ao poder central. Um poder que não emana dos gabinetes do Parque dos Poderes, em Campo Grande, mas de conhecidos condomínios de luxo, escritórios de “operadores” do dinheiro público e lobistas na capital, ou até mesmo de fazendas na região de Maracaju. É o resultado da perpetuação do “azambujismo” no estado, um sistema peculiar de poder em que os políticos, principalmente os do interior, são submetidos a uma eminência parda, chamada Sérgio de Paula. Assim, prevalecendo os nomes especulados para postos-chave da futura administração, Marçal Filho, talvez compungido a desagravar aliados “injustiçados”, como Zé Teixeira e Reinaldo Azambuja, poderá desvendar esse mistério ao grande público, já que, nos bastidores, ninguém parece duvidar do velho ditado: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Caso isso se confirme, Marçal pode frustrar não apenas seu expressivo e fiel eleitorado, mas também aqueles que o admiram como o mais longevo fenômeno eleitoral de Dourados — tirando Ari Artuzi. Isso seria especialmente decepcionante após o discurso no calor do fechamento das urnas em 6 de outubro, no qual ele jurou solenemente, em frente ao prédio das Araras, que se elegeu prefeito para fazer Dourados retomar o protagonismo político no estado. Mais ainda: abriria espaço para especulações de que sua eleição não se deveu a seu tão decantado prestígio, mas sim à força de uma misteriosa “mala preta” de poderosos “operadores” ou à adesão ao famigerado bolsonarismo golpista da beata Gianni Nogueira. Pobre Marçal, pobre Dourados, com “restos a pagar” na formação do secretariado, não bastasse o adiantamento que teria sido feito por Azambuja, claro, ao marido dela, o tal Gordinho do Bolsonaro, para que desistisse da candidatura à prefeitura.
Curioso é que entre os vassalos de Azambuja encontram-se alguns dos mais ilustres dos ditos líderes políticos locais. Além do deputado Zé Teixeira, colegas de bancada como Lia Nogueira — outrora o “bichão do MS” como vereadora, hoje reduzida a um bichinho inofensivo e submisso a Reinaldo Azambuja — e Neno Razuk (já que o assunto é bicho, por razões óbvias). E o mais constrangedor, mesmo sem mandato e notório pelo escorpião que carrega no bolso, o maior incentivador desse puxa-saquismo crônico é o empresário e ex-vice-governador Murilo Zauith, dono da Unigran.
Deve-se dar um desconto a Zauith por sua condição de sobrevivente da Covid-19, lembrado como o mais longevo paciente grave durante a pandemia no país, ainda com sequelas. No entanto, isso não atenua a frustração dos eleitores com um político que prometia quebrar paradigmas, mas que perdeu essa oportunidade nas duas vezes em que foi prefeito de Dourados. Ao voltar à política estadual como vice-governador de Reinaldo Azambuja, protagonizou um vexame ao tramar para assumir o governo, sendo sumariamente demitido da Secretaria de Infraestrutura. Depois, numa demonstração de fraqueza política, humilhou-se para Azambuja a mando de Zé Teixeira para apoiar Marçal Filho.
Sim, a mando de Zé Teixeira! Não fosse assim, um homem da “estatura moral” de Murilo Zauith jamais teria comparecido, acompanhado de sua entourage — incluindo a esposa, Cecília Grinberg —, à recepção ao polêmico deputado no dia em que “seu Zé” retornou a Dourados após a prisão na Operação Vostok, acusado de fornecer notas frias à JBS. A menos que, convertido ao bolsonarismo, Zauith agora faça parte de uma minoria indignada com a Polícia Federal por afastar e colocar tornozeleiras eletrônicas em desembargadores do TJ-MS, tal qual Zé Teixeira, envolvidos no escândalo de venda de sentenças.
Menos mal que Marçal Filho prometeu seguir o exemplo de José Elias Moreira na escolha do secretariado. Que também se espelhe em João Totó Câmara, o maior líder político que Dourados já teve, e que fez história ao “mandar” que o todo-poderoso governador Pedro Pedrossian administrasse o estado “do Rio Brilhante pra cima”, enquanto ele cuidava da Grande Dourados.
Somente assim o radialista que virou prefeito poderá mostrar a que veio, respaldado pela maior vitória eleitoral da história da terra de seu Marcelino. Caso contrário, corre o risco de repetir Murilo Zauith, que, de tanto “panguar” com um número cada vez mais reduzido de seguidores na padaria do fuxico, pode ter o mesmo triste fim de Policarpo Quaresma, o patriota criado por Lima Barreto, que morre acusado de traição durante um motim no governo de Floriano Peixoto.