O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), disse enxergar o Poder Judiciário como imune às paixões políticas. De acordo com ele, as decisões de magistrados têm potencial de dividir a sociedade e, por isso, é natural que gerem insatisfação.
A declaração foi dada na abertura do Ano Judiciário nesta segunda-feira (3). No discurso, o presidente fez uma fala de união entre os três Poderes dois dias depois de os novos presidentes do Congresso darem recados ao Supremo.
“Todas as democracias reservam uma parcela de poder para ser exercida por agentes públicos que não são eleitos pelo voto popular, para que permaneçam imunes às paixões políticas de cada momento. O título de legitimidade desses agentes é a formação técnica e a imparcialidade na interpretação da Constituição e das leis”, disse.
Em seu primeiro discurso após ser eleito presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) fez uma defesa da democracia, das emendas parlamentares e da igualdade entre os três Poderes, dando recados ao STF e ao Executivo. Mais cedo, numa fala ainda enquanto candidato, afirmou que trabalharia pelo fortalecimento do Legislativo e defenderia a imunidade parlamentar.
Da mesma forma, eleito presidente do Senado com 73 votos no sábado (1º), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) reforçou a posição referente às emendas parlamentares, falando em independência diante das tensões do Congresso com o Supremo. Alcolumbre disse que vai continuar defendendo o modelo de distribuição de verba para os redutos dos congressistas, mas pregou harmonia entre os três Poderes.
Na cerimônia desta segunda, porém, Alcolumbre trocou afagos com o ministro Gilmar Mendes e conversou ao pé do ouvido com Flávio Dino —considerado algoz de lideranças do Centrão pelo bloqueio das emendas parlamentares em 2024.
Hugo Motta, mais discreto, somente cumprimentou as autoridades e ouviu comentários de Lula durante os discursos. O presidente da República estava sentado ao seu lado.
No evento, Barroso ressaltou a presença dos presidentes de todos os Poderes, mencionando as votações de cada um deles. “Os três Poderes aqui presentes são unidos pelos princípios e propósitos da Constituição. Somos independentes e harmônicos como manda a Constituição.”
Lula, Hugo e Alcolumbre não discursaram, como é praxe nesse tipo de solenidade. “Fenômeno extremamente significativo o presidente Lula, Alcolumbre e Hugo Motta abriram mão da palavra”, disse Barroso.
O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), ministros de Estado, o advogado-geral da União, Jorge Messias, ministros do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça), também participaram da cerimônia.
Numa rápida menção aos ataques de 8 de janeiro de 2023, o presidente afirmou que as instituições saíram vitoriosas da “fúria antidemocrática”.
“Aqui deste Plenário, que foi invadido, queimado, inundado e depredado com imensa fúria antidemocrática, nós celebramos a vitória das instituições e a volta do país à normalidade plena, com idealismo e civilidade”, afirmou.
A lembrança à invasão do Supremo foi entendida por pessoas que acompanharam o evento como um recado de Barroso contra os projetos do Congresso que buscam anistiar os condenados pelos ataques. Hugo Motta disse que vai tratar do assunto com “imparcialidade”. O perdão será pauta de reunião de líderes partidários neste mês.
O discurso incluiu ainda um retrato do Judiciário no início de ano e um relato de alguns dos projetos em andamento e dos planos para 2025.
Em outro momento, Barroso fez referência à reforma tributária e ao início do processo de regulamentação.
Segundo ele, a expectativa é que as mudanças simplifiquem a área e diminuam o número de litígios sobre o tema. Barroso afirmou que os processos na área demoram anos para serem julgados, gerando cadáveres que não fazem mais sentido.
“A esse propósito, é preciso cogitar de medida normativa e de atuação processual que acelere o julgamento das controvérsias tributárias, levando celeremente a uma solução definitiva. O maior problema nessa matéria tem sido a demora nos julgamentos. Quando se tem uma definição, muitos anos depois do início da controvérsia, existe sempre um cadáver no armário, seja da Fazenda Pública seja do contribuinte”, disse.
Ana Pompeu e Cézar Feitoza/Folha de S.Paulo