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sexta-feira, dezembro 5, 2025

O adestramento da mídia

Em meio à guerra de narrativas, Globo segue líder isolada enquanto CNN e Jovem Pan disputam o título de “porta-voz do cidadão de bem” — e a neutralidade morre no grito da arquibancada.

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Preferi “mídia” a “jornalismo” no título apenas para suavizar mais um pouco esta triste pecha que contamina grande parte da categoria dos profissionais submetidos a esse bombardeio de informações manipuladas a torto e a direito nesses momentos tormentosos que estamos vivenciando. Ninguém acredita mais quando respondo, peremptoriamente, que não sou lulista nem bolsonarista — apenas jornalista.

Outro dia, no meu cafofo, um amigo que se diz “neutro” politicamente — neutro tipo água de bateria — assistia comigo à repercussão da tornozeleira do Bolsonaro na GloboNews. Com ar de sabedoria milenar, disparou:
Não gosto da Globo pelo viés do jornalismo.

Viés. Palavra mágica do bolsonarismo gourmet. Aprenderam em live do mito e repetem como quem declama Fernando Pessoa:

“Tudo é viés, tudo é manipulação, tudo vale a pena se a alma não é pequena”

Se a notícia é ruim pro capitão, é viés. Se mostra a tornozeleira, é viés. Se fala do preço do feijão, é viés — comunista, globalista, satânico. Se chove no cercadinho, é viés do INMET conspirando com o STF.

E aí vem a parte boa: o neutro do meu cafofo não gosta da Globo — mas assiste CNN. Só CNN. Como outros neutros que juram fidelidade à Jovem Pan. Em casa de bolsonarista raiz, é proibido ligar na Globo — do mesmo jeito que corinthiano não pisa no Morumbi e são-paulino não atravessa a rua pra Neo Química. O país virou clássico de torcida única: ou você veste a camisa do mito, ou não entra no estádio.

Rede Globo à parte, há hoje uma disputa de foice pelo público de direita — uma briga para ver quem se autoproclama porta-voz oficial do “cidadão de bem”. Pobres coleguinhas, iguais a alguns “neutros” de certas “latinhas” famosas da Grande Dourados, sem noção do ridículo e com audiência despencando na mesma proporção em que vociferam bestialidades em nome do estado democrático de direito, como se soubessem do que se trata.

E é nesse estádio que as torcidas se dividem, quase na proporção que as pesquisas de audiência revelam: Globo segue líder, com alcance que beira metade do público nacional (segundo o Kantar Ibope, o Jornal Nacional ainda atinge mais de 20 pontos diários e a GloboNews lidera entre os canais de notícias); CNN ocupa a vice-liderança, disputando com a Jovem Pan News — que herdou o público mais ideológico e fiel ao bolsonarismo e, juntas, raramente passam de 5 a 7 pontos na TV por assinatura. A Record, por sua vez, mantém peso no noticiário aberto, mas com viés religioso e público mais segmentado.

E a tragédia maior? A Globo, com todos os seus defeitos, ainda é a mais completa. Em meia hora de GloboNews ou Jornal Nacional, você sabe o que acontece no Planalto, no Líbano, na bolsa de Nova York e na enchente do Rio Grande do Sul. Tem defeito? Tem. Erra feio às vezes? Erra. Mas é um jornalismo tecnicamente impecável. Eu, que penso — logo existo — posso assistir sem medo de lavagem cerebral. Sei separar fato de opinião.

Mas talvez os convertidos da nova era “mitológica” não tenham essa segurança. Talvez temam que, num vacilo, um William Bonner sorrindo e lendo uma nota do STF os faça trair o mito e trocar a bandeira americana pela brasileira. O medo é tanto que preferem se trancar na bolha e chamar isso de “neutralidade”.

O resultado desse adestramento é perverso: não existe mais debate público, só torcida organizada. Globo é Flamengo, CNN é Vasco, Jovem Pan é Botafogo. Cada um grita do seu lado, ninguém ouve o outro. E a política brasileira virou arquibancada de estádio sem gol — só grito, xingamento e canelada.

Enquanto isso, quem não entrou na guerra das torcidas segue fazendo o que sempre fez: tentando informar, rir do caos e tomar um café amargo no intervalo do espetáculo. Porque, como diria minha avó lá do Jaguapiru, quem só ouve um lado acaba surdo dos dois ouvidos.

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