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sexta-feira, dezembro 5, 2025

Um século de compromisso com o leitor e o futuro

Em 29 de julho de 1925 Irineu Marinho fundava o que viria a ser o maior grupo de comunicação do Brasil

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Centenários costumam nos convidar a olhar para trás, a revisitar memórias, a celebrar conquistas. É legítimo e necessário. Mas hoje, ao marcarmos os cem anos do jornal O Globo, queremos ir além e usar este momento para projetar o futuro. Porque um período tão longo não representa apenas longevidade — significa renovação contínua, adaptação e, sobretudo, capacidade de permanecer relevante em um mundo em constante transformação.

É uma postura que vem de longe. Em 29 de julho de 1925, nosso avô Irineu Marinho dava início a uma jornada que transcenderia sua própria vida: a criação do GLOBO. Ela nasceu da coragem de recomeçar, de olhar para a frente mais do que para o passado. Após perder o controle de seu projeto anterior, o jornal A Noite, Irineu reuniu antigos companheiros e, munido de convicção e experiência, lançou um novo vespertino.

O destino reservaria a ele pouquíssimo tempo para testemunhar o início de sua criação. Menos de um mês depois de lançar o jornal, aos 49 anos, nosso avô partiu, deixando um legado ainda em construção. Coube a nosso pai, Roberto Marinho, primeiro como um jovem aprendiz e depois como líder visionário, transformar aquele jornal não apenas em um veículo de comunicação, mas em um dos pilares da história brasileira. Sob sua liderança, O GLOBO transcendeu as fronteiras do papel e se tornou a semente de um grupo de comunicação que cresceria junto com o Brasil: rádio, editora, televisão, internet, streaming.

José Roberto Marinho, Roberto Irineu Marinho e João Roberto Marinho — Foto: Tomás Arthuzzi / Divulgação
José Roberto Marinho, Roberto Irineu Marinho e João Roberto Marinho — Foto: Tomás Arthuzzi / Divulgação

Costumamos dizer que, diante de todas essas revoluções tecnológicas, a nossa tradição foi sempre acolher o novo com otimismo e com a atitude de dar os passos com a urgência que a situação requer, mas com a responsabilidade que o desejo de progredir exige. É por isso que repetimos mais uma vez que não sabemos exatamente como será o futuro do setor, mas sabemos que estaremos nele. Esta convicção nos orienta em tempos de incerteza e transformação.

Hoje, com alegria, nos damos conta de que cada um de nós participou ativamente da vida do Grupo Globo em mais da metade dos seus cem anos. Antes de vivenciarmos as outras empresas do grupo, e de liderá-las, foi na redação do jornal que demos os primeiros passos, ainda adolescentes. Como iniciantes, observamos o ritmo frenético dos fechamentos, o comprometimento dos repórteres, o cuidado dos editores, a precisão dos revisores. Aprendemos na prática, no dia a dia, os valores que sustentariam não apenas nossas carreiras como homens de imprensa e empresários, mas nossa visão de mundo.

Em todo esse período, participamos de transformações profundas também no jornalismo. Acompanhamos a transição das linotipos para o offset; das máquinas de escrever para os computadores; da edição solitária do jornal impresso para atualizações minuto a minuto em tablets e no celular; das fotografias reveladas em laboratório para as imagens digitais instantâneas. Em cada um desses desafios, O GLOBO soube se reinventar sem jamais perder sua essência. Porque entendemos, desde sempre, que a tecnologia não é um fim em si mesmo, mas uma ferramenta a serviço da informação.

O GLOBO foi o primeiro jornal brasileiro a publicar uma telefoto, em 1936; o primeiro a ter radiofoto colorida, em 1959; um dos primeiros grandes veículos a se informatizar; e, em 1996, um dos precursores na internet. Cada avanço tecnológico não era adotado por modismo, mas como forma de aprimorar aquilo que é nossa razão de existir: a capacidade de informar com qualidade, rapidez e precisão.

Um século de compromisso com o leitor e o futuro
A sede do GLOBO na Rua Irineu Marinho, onde o jornal funcionou de 1954 a 2017 — Foto: Arquivo O Globo

O que significa isso? Significa entender que o jornalismo não é apenas uma atividade profissional, mas uma metodologia de conhecimento. Assim como a história, o jornalismo é uma maneira específica de captar, organizar e compreender o mundo. Com seus métodos próprios, suas técnicas de apuração, sua ética e seus critérios, o jornalismo produz um primeiro conhecimento sobre os fatos e as pessoas. Um conhecimento que, por definição, é ainda imperfeito e provisório — um rascunho da história, como já se disse — mas que, justamente por sua proximidade com o tempo presente, é fundamental para a vida em democracia.

No mundo atual, marcado pela proliferação da desinformação nas redes sociais, essa função torna-se ainda mais crucial. As plataformas digitais criaram um ecossistema onde qualquer pessoa pode se tornar emissora de conteúdo — o que é, em si, uma conquista democrática. Mas também gerou uma cacofonia onde fatos e opiniões se confundem, onde informações falsas circulam com a mesma velocidade das verdadeiras, onde a emoção frequentemente se sobrepõe à razão.

Nesse cenário, o jornalismo profissional representa um porto seguro. Não porque seja infalível — erramos, como qualquer atividade humana —, mas porque opera com métodos transparentes, com compromisso ético e com disposição para corrigir seus próprios equívocos. Enquanto as redes sociais se baseiam em algoritmos que privilegiam o engajamento a qualquer custo, o jornalismo profissional se guia por critérios de relevância, precisão e interesse público.

Ao longo de cem anos, o Grupo Globo foi construído sobre esses alicerces. Como empresa familiar, temos a vantagem de pensar no longo prazo, sem nos deixarmos guiar pelas pressões imediatistas do mercado. Nosso compromisso é com a continuidade de valores que atravessam gerações. Empresas familiares bem conduzidas, como acreditamos ser o caso do Grupo Globo, têm esta virtude distintiva: a capacidade de manter princípios que não se medem em trimestres, mas em décadas.

A primeira sede do jornal O GLOBO, na Rua Bettencourt da Silva, no Largo da Carioca — Foto: Arquivo O Globo
A primeira sede do jornal O GLOBO, na Rua Bettencourt da Silva, no Largo da Carioca — Foto: Arquivo O Globo

Essa perspectiva de longo prazo nos permitiu criar um ambiente onde o jornalismo pode florescer em sua melhor forma: independente, plural, vigilante. Nosso pai sempre defendeu a diversidade nas redações, sabendo que o melhor antídoto contra o subjetivismo é o confronto respeitoso de ideias diferentes. Os jornalistas do GLOBO não pensam todos da mesma forma — e isso é uma força, não uma fraqueza. A resultante dessa pluralidade interna é um jornalismo mais equilibrado, mais nuançado, mais próximo da complexidade do real.

Se hoje podemos celebrar um século de existência, é porque essa fórmula funcionou, ainda que de maneira imperfeita. Ao longo dessa jornada, O GLOBO atravessou regimes políticos distintos, crises econômicas, transformações sociais profundas. Nessa trajetória, como qualquer instituição, acertamos e erramos. Houve momentos em que falhamos, decisões que, vistas em retrospectiva, tomaríamos de forma diferente. Reconhecer esses erros, como já fizemos explicitamente, é parte do nosso compromisso com a transparência. Mas é justamente essa capacidade de autocrítica e correção de rumo que nos permitiu seguir em frente, sempre guiados pelas mesmas bússolas: o compromisso com os fatos, o respeito ao leitor, a defesa da democracia e a crença no Brasil.

Hoje, essa tradição centenária é continuada por uma nova geração. Nossos filhos, entre eles Paulo Daudt Marinho e Roberto Marinho Neto, que ocupam posições de liderança no grupo, e outros tantos que, como nós no passado, estão se aperfeiçoando no Grupo Globo, trazem o olhar renovado e a energia necessária para enfrentar os desafios contemporâneos. Como seus antecessores, eles entendem que o patrimônio de uma empresa de comunicação não são apenas seus ativos financeiros ou tecnológicos, mas também sua credibilidade — conquistada dia a dia, notícia a notícia, em uma relação de confiança com o público.

Em 2003, após o falecimento de nosso pai, publicamos um editorial que expressa um princípio fundamental: “A obra de Roberto Marinho partiu de um ideal dele, mas só pôde ser concretizada porque foi o resultado de uma aliança entre jornalistas, artistas, escritores, profissionais da cultura e o povo brasileiro”. Esta aliança, construída ao longo de décadas, é o que nos trouxe até aqui. E é ela que nos impulsionará pelos próximos cem anos.

O prédio atual do jornal O GLOBO, na Rua Marquês de Pombal — Foto: Arquivo O Globo
O prédio atual do jornal O GLOBO, na Rua Marquês de Pombal — Foto: Arquivo O Globo

Quando olhamos para trás, vemos uma história construída por muitas mãos. Impossível não pensarmos em nossos tios, Ricardo e Rogério Marinho, e nos nossos primos, Ana Luiza Marinho e Luiz Eduardo Vasconcelos, que, ao nosso lado e do nosso pai, viveram intensamente, por dentro, a história do GLOBO. Impossível não pensarmos nos diretores de todas as áreas da empresa ao longo dos anos, nos diretores de redação, nos editores, repórteres, gráficos, fotógrafos, motoristas, atendentes, técnicos, designers, programadores, leitores — todos contribuíram para fazer do GLOBO um veículo respeitado, relevante e, sobretudo, comprometido com o Brasil. E quando olhamos para frente, vemos desafios imensos, mas também oportunidades extraordinárias de reinvenção e crescimento.

O jornalismo que fazemos hoje não é o mesmo de 1925, nem poderia ser. O mundo mudou, o Brasil mudou, os leitores mudaram. Mas os valores essenciais permanecem: a busca incessante pela verdade, o compromisso com a pluralidade, a coragem de dizer o que precisa ser dito.

Em um tempo em que as certezas se fragmentam e as referências comuns se diluem, o papel do jornalismo se torna ainda mais vital. Não como portador de verdades absolutas, mas como espaço de construção coletiva de sentido. Um espaço onde fatos são distinguidos de opiniões, onde complexidades não são reduzidas a simplificações, onde o diálogo prevalece sobre o sectarismo.

Olhar para o futuro, neste momento centenário, significa reconhecer que o jornalismo de amanhã terá ferramentas, formatos e desafios que ainda mal conseguimos vislumbrar. A inteligência artificial e as novas formas de interação digital, embora já em uso por nossos veículos, estão apenas começando a mostrar seu potencial. Mas também significa reafirmar que, seja qual for a tecnologia, seja qual for a plataforma, nossa missão permanecerá a mesma: oferecer ao público informação confiável e análise profunda.

Este é o compromisso que renovamos hoje, ao celebrar o centenário do GLOBO. Um compromisso com o Brasil, com a democracia, com o jornalismo em sua expressão mais nobre. Um compromisso que honra o passado e abraça o futuro, com a mesma paixão pela comunicação que animou os primeiros dias deste jornal.

O GLOBO faz cem anos hoje. A história continua amanhã.

 João Roberto Marinho, José Roberto Marinho e Roberto Irineu Marinho

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