No dia em que 150 soldados americanos pousaram em Campo Grande para “treinamento de rotina” e o tarifaço de Trump continuava a moer o agro bolsonarista, o vice-governador de Mato Grosso do Sul, José Carlos Barbosa — o Barbosinha — resolveu subir no púlpito da cidade de Goiás e citar… Cora Coralina.
Sim, a poetisa das pedras e flores, usada como antídoto contra o clima bélico que se espalha de Washington a Brasília. “Sou aquela mulher que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores”, citou Barbosinha, com a voz embargada e o olhar no próprio passado humilde de engraxate e vendedor de salgados, lembrando que antes de ser político foi menino pobre de Itaguaçu, Goiás, migrante para o então novíssimo Mato Grosso do Sul.
O tom era de festa: 298 anos da cidade de Goiás, honraria máxima do estado, a Ordem do Mérito Anhanguera, e o congraçamento com Ronaldo Caiado — o eterno líder ruralista fundador da UDR, que agora reaparece nos bastidores como possível presidenciável para o lugar de Lula, surfando a onda da direita “civilizada”. Mas o subtexto estava ali: enquanto Caiado celebra tradição, Trump ameaça a carne brasileira e Bolsonaro se oferece como “guia turístico” no Pantanal para tropas ianques.
Barbosinha, que já sentiu nos ombros o peso da política sul-mato-grossense, fez do discurso um recado travestido de lirismo: falou de flores, mas apontou para os espinhos. “Que continuemos caminhando e semeando juntos, honrando nossas raízes e respeitando nossa diversidade”, disse, enquanto o noticiário lá fora falava de guerra, tarifa e paraquedistas descendo no cerrado.
Na prática, o vice-governador misturou memória pessoal com recado político: valorizou a irmandade Goiás-MS, exaltou cultura e tradições, mas fincou o pé no simbólico — e mostrou que, em tempos de nervos à flor da pele, citar Cora Coralina pode ser mais eficaz que citar Clausewitz.
E, convenhamos, no dia em que tropas americanas treinam guerra a duas horas de Nioaque, cidade onde Bolsonaro serviu ao Exército como aspirante a oficial, lá atrás, talvez a verdadeira resistência seja mesmo plantar flores.
