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sexta-feira, dezembro 5, 2025

‘CPF cancelado’: o último grito do coronelismo em Mato Grosso do Sul

Expressão que atravessa décadas de violência política, o ‘CPF cancelado’ simboliza o estertor de um coronelismo que resiste em Mato Grosso do Sul, mas já não dita mais o destino do Estado

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O grito de guerra que ecoou no pátio do Palácio Tiradentes — “bate na cara, espanca até matar, arranca a cabeça e joga pra cá” — não é apenas mais um vídeo viral das redes sociais. É o retrato sonoro de um Mato Grosso do Sul que tenta, aos trancos e barrancos, enterrar o coronelismo que moldou o estado durante décadas, mas que insiste em se reinventar — agora com farda verde‑amarela e bordões bolsonaristas. O episódio coincidiu com o salto do ex-governador Reinaldo Azambuja do ninho tucano para o cercadinho do PL. Não foi acaso, foi coreografia: enquanto soldados berravam “CPF cancelado”, o último grande coronel reciclava seu discurso de compadrio para as palavras de ordem do porrete digital.

Historicamente, o MS sempre teve coronéis de plantão. Dos tempos em que o poder se media por boiadas e cargueiros de erva-mate até os ciclos do algodão, do café, da soja e do gado, a política local se alimentou do compadrio e da obediência. A ditadura de 64 encontrou aqui terreno fértil: voto controlado, repressão e a retórica da “segurança” que justificava tudo. A redemocratização prometeu enterrar esses fantasmas, mas eles seguiram rondando palácios e plenários, adaptando o figurino da vez — da trilogia Pedrossian–Lúdio Coelho–Wilson Martins, passando por André Puccinelli, até o azambujismo que hoje mistura coletes do agronegócio com camisetas verde‑amarelas.

O vídeo da PM escancara o novo estágio dessa velha prática: um coronelismo 2.0, que trocou o cafezinho do gabinete pelas lives com bandeira americana ao fundo e a fofoca da rádio AM pela radicalização do WhatsApp. Se antes o inimigo era o “subversivo”, agora é o “bandido genérico” ou o “Xandão” do Supremo; a lógica é a mesma — identificar um inimigo interno e justificá-lo como alvo legítimo do porrete. Mais perverso ainda: transformar isso em canção de formatura.

A coincidência entre o canto violento dos PMs e a adesão de Azambuja ao bolsonarismo é simbólica: marca o fim de um ciclo e o nascimento de outro. O coronelismo tradicional morre, mas seus escombros alimentam o bolsonarismo que sonha em herdar a farda e o chicote. É um funeral com a picanha do Lula e a linguiça de Maracaju do Azambuja: no caixão, o velho compadrio; à beira do túmulo, o novo coronel de Maracaju, punhal verde‑amarelo em riste, prometendo “botar freio” em Lula e “dar ordem” em Alexandre de Moraes quando chegar ao Senado. A plateia é a mesma — agora com celulares na mão e hashtags no bolso.

No fundo, a história se repete com novas cores e slogans. O que parece o suspiro final do coronelismo pode ser só a sua atualização: menos voto de cabresto, mais curtida de algoritmo; menos hino na vitrola, mais refrão de “CPF cancelado” berrado em uníssono. A pergunta é se a sociedade sul‑mato‑grossense está pronta pra romper esse ciclo ou se continuará, como sempre, trocando apenas as penas do galo que canta no galinheiro do poder.

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