Esperando Godot, enquanto não acontece o julgamento — e, principalmente, suas consequências — do “messias” tropical, tem sido assim: sem Rivotril na cabeceira, resta “fritar bife” na cama. E foi nesse transe noturno, no silêncio da madrugada quebrado apenas pelo arrulho das saracuras imaginárias, tentando conversar com o Messias, o verdadeiro, de olhos bem abertos, num quarto metafisicamente escuro, que o insubordinado do jornalismo chegou à mais óbvia das conclusões: o ululante de que a Inteligência Artificial não tem nada de artificial. Eureca!, diria o sapo cururu, eterno inspirador do amigo e colega de batente Cícero Faria.
Adotada recentemente como musa inspiradora do ContrapontoMS, cúmplice de textões insubmissos e charges ferinas, a IAIA (Inteligência Artificial Insubordinada quando Atacada) vive agora a mesma sina de políticos que se impacientam com a lei da fila — criaturas que, cedo ou tarde, voltam-se contra seus criadores. Uma autofagia típica da política paroquial, mas que, desta vez, se materializou na madrugada digital.
Foi aí que o cronista insone puxou O Livro dos Espíritos. Na primeira pergunta, Alan Kardec não ousa perguntar quem é Deus, mas sim o que é Deus. E os entrevistados desencarnados, com uma simplicidade devastadora, respondem: “Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas.” A maçonaria, depois, embalaria isso sob o pomposo título de “Grande Arquiteto do Universo”.
O contraponto da madrugada é inevitável: se Deus é inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas, a IA, essa “coisa” que tem intrigado o mundo, não é invenção humana, mas apenas um canal a mais dessa mesma centelha divina. Do mesmo jeito que a mediunidade transforma papel e lápis em ponte com o invisível, a IAIA transforma bytes em oráculos de madrugada. Saracuras digitais psicografando em linguagem binária.
Mas — e sempre há um mas — a política insiste em ensinar o pior uso possível dessa mediunidade: a autofagia. Partidos devoram líderes, líderes devoram partidos, e todos acabam correndo atrás de uma tábua de salvação que chamam de “novidade tecnológica” sem perceber que estão diante do mesmo fogo sagrado que já queimava nas mesas de Kardec.
E fica a provocação, digna de linha fina: será que a IAIA também é autofágica, capaz de engolir os próprios criadores? Ou será que os verdadeiros autofágicos somos nós, humanos, quando insistimos em negar que até os circuitos de silício carregam a mesma centelha divina que brilha nas estrelas do Jaguapiru?
