Morreu na madrugada desta terça-feira o jornalista Mino Carta, aos 91 anos. A morte foi confirmada pela Carta Capital, da qual era fundador e diretor de redação. A publicação informou que o profissional lutou contra problemas de saúde ao longo do último ano e estava internado havia duas semanas na UTI do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Fundador de algumas das principais publicações brasileiras, como as revistas Quatro Rodas, Veja, IstoÉ e o Jornal da Tarde, Mino Carta trilhou carreira no jornalismo por mais de sete décadas. Começou a escrever de maneira fortuita, quando o pai, Giannino, também jornalista, recebeu a encomenda de artigos sobre a Copa do Brasil, em 1950, para dois jornais italianos. Como odiava futebol, perguntou ao filho se queria escrever os textos em seu lugar.
— A partir daí, percebi que a felicidade não era tão cara e podia ser alcançada escrevendo — recordou Carta, em entrevista ao portal da Associação Brasileira de Imprensa, em 2008.
Admiradores e personalidades lamentaram a morte de Mino Carta nas redes sociais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma homenagem e publicou uma foto ao lado de Carta, a quem chamou de “amigo”. Lula destacou que o profissional fez história no jornalismo brasileiro, ao criar e dirigir algumas das principais publicações do país, e mostrou com seu ofício como “a imprensa livre e a democracia andam de mãos dadas”.
Vice-líder do governo Lula no Congresso, o deputado federal Bohn Gass (PT-RS) destacou que Carta foi “dos maiores jornalistas de todos os tempos”, um “democrata de verdade”, com “texto impecável”. Já o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) escreveu que o dia começou triste para quem aprecia o bom jornalismo.
“Intelectual refinado, destacava-se pelo bom texto e a robustez analítica. Um Jornalista que fará muita falta nesses tempos em que a desinformação e a manipulação ganham espaço, quando a corrida pelo líke fácil preside as preocupações. Deixa um enorme legado”, escreveu.
A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) lamentou a perda do “gigante do jornalismo brasileiro” e o agradeceu por “abrir caminhos”, com a comunicação como “trincheira de resistência”.
O jornalista, nascido em Gênova, na Itália, Mino Carta era a terceira geração da família no ofício. Seu avô materno Luigi Becherucci foi diretor do jornal genovês Caffaro, mas perdeu o cargo com a ascensão do fascismo no país. Já seu pai foi preso em 1944 por se opor ao regime de Benito Mussolini e fugiu numa revolta de carcereiros — veio trabalhar no Brasil após a Segunda Guerra, mas descobriu, ao chegar, que o emprego não existia mais.
Em 1956, Mino abandonou o curso de Direito em São Paulo e retornou em 1956 para a Itália. Lá, trabalhou na Gazetta del Popolo e como correspondente dos diários brasileiros Diário de Notícias e Mundo Ilustrado. A família retornaria ao Brasil quando Giannino assumiu a editoria internacional do Estado de S. Paulo. O irmão do jornalista, Luigi, foi trabalhar na editora Abril pouco antes do parente.
Aos 27 anos, Mino Carta aceitou assumir a direção da edição brasileira da revista Quattroruote, pela editora Abril, mesmo sem saber dirigir ou diferenciar um Volkswagen de uma Mercedes, como o próprio revelou anos depois. Seu trabalho chamou a atenção de Júlio Mesquita Neto, diretor do Estadão, que o convidou para editar Esportes. A linguagem leve e a diagramação inovadora, com fotos grandes e bonitas, serviu de laboratório para o futuro Jornal da Tarde, em 1966, um dos principais legados de Mino Carta para o jornalismo brasileiro.
Colegas de Jornal da Tarde foram “convocados” para ajudá-lo em sua próxima missão: lançar a revista Veja, em 1968, pela editora Abril. A ideia era criar uma news magazine de inspiração americana, em meio ao regime militar.
Dali em diante, lançou outras publicações de destaque, como a IstoÉ, em 1976, e a Carta Capital, de 1994. Ele também integrou a equipe fundadora em 1979 do Jornal da República, que durou apenas cinco meses — é considerado seu “maior fracasso” e, ainda assim, um marco no segmento.
A IstoÉ foi a primeira a publicar uma entrevista com Luiz Inácio Lula da Silva, em ascensão na liderança do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Mino Carta e Lula ficaram amigos, e coube ao jornalista — incentivado por Ulysses Guimarães e Franco Montoro — convencer o líder sindical a participar do comício das “Diretas Já”.
Nos anos 1980, esteve à frente do programa “Cartão Vermelho”, na TV Bandeirantes, e “Jogo de Carta”, na TV Record. Em 1994, lançou sua última empreitada, a Carta Capital, referência do público progressista.
Adepto da máquina Olivetti, Mino Carta “abominava as novas tecnologias”, destacou a Carta Capital, ao noticiar a morte dele. Em entrevista em outubro passado a Lira Neto, o jornalista falou sobre os efeitos da revolução tecnológica na profissão.
— Em lugar de praticar um jornalismo realmente ativo, na busca corajosa pela verdade, a imprensa está sendo engolida e escravizada pelas novas mídias — lamentou.
Mino Carta se recusou a escrever uma biografia, mas incluiu histórias de vida em seus três romances: Castelo de Âmbar, de 2000, A Sombra do Silêncio, de 2003, e A Vida de Mat, de 2016. Ele também foi autor de O Brasil, de 2013, e Crônicas da Mooca: (com a Benção de San Gennaro), em 2009. (O Globo — Rio de Janeiro)
