“Não vos enganeis: de Deus não se zomba; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará.” (Gálatas 6:7)
Não precisaríamos recorrer a parábolas bíblicas para explicar o calvário de Jair Messias Bolsonaro. A luta do “bem contra o mal” ganhou CPF, data e número de processo. Mesmo depois de sentenciado a 27 anos e três meses de prisão em regime fechado, o ex-presidente vê seu entorno produzindo provas e bravatas que não deixam ao STF alternativa além de aplicar a lei. Quem ainda romantiza o caos — a turma do gabinete do ódio, das fake news e dos palanques de fumaça — vai descobrindo, tardiamente, que a liturgia do cargo não é fantasia.
Não é preciso rebobinar “fitas de vídeos” para lembrar do óbvio, mas eles existem — e foram oportunamente exibidos pelo ministro Alexandre de Moraes no nosso histórico 11 de setembro. Estão lá o deboche durante a Covid, o ataque sistemático às instituições, a Avenida Paulista transformada em ringue, o “canalha” jogado a um ministro da Suprema Corte. Neste caso, mais diretamente a Xandão: “a tua hora vai chegar”. Chegou — só que pelo caminho da lei.
Para entender por que a conta vem, basta olhar para casa. Mato Grosso do Sul já viu esse filme. Dourados, terra de seu Marcelino, conhece de cor a Operação Uragano e o destino do então simplório, mas fenomenal, prefeito Ari Valdecir Artuzi, trancafiado num Presídio de Segurança Máxima e forçado a renunciar sob a mira simbólica da lei. A brutalidade do episódio foi lição amarga — e reveladora da hipocrisia de parte da elite política que, de dedo em riste, fingia higiene moral.
Olhemos os “algozes” de Artuzi. O governador de então, André Puccinelli, que se referia a ele como “animal de pelo curto”, atolado na “lama asfáltica”, acabou conhecendo os horrores, literalmente, do ferro frio da prisão.
E Murilo Zauith? Este, sim, o maior interessado na defenestração de Artuzi para realizar seu sonho de governar Dourados, terminou descobrindo que há castigos que não passam pela urna nem pela Justiça. Depois de ver evaporar o capital político, foi parar no hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde passou nove meses internado numa UTI, como paciente mais longevo da Covid em todo o país. Sobreviveu, mas carrega sequelas que até hoje dificultam a vida simples que gostava de levar — como as caminhadas diárias ao redor do Colégio Imaculada Conceição. O destino pregou-lhe uma peça cruel: de tanto querer conquistar o Estado (que fosse por meio de um golpe contra Azambuja!) ficou impedido até do mais elementar direito de ir e vir, por aí.
Que isso sirva de aviso aos insurretos bolsonaristas e à família do ex-presidente agora presidiário. Que se atentem aos exemplos aqui relembrados, especialmente o Gordinho do Bolsonaro, deputado douradense agora rebaixado de guardião de tornozeleira a carcereiro da Papuda. E o que dizer da insanidade do deputado Eduardo Bolsonaro, que brinca de evocação bélica ao falar em guerra dos Estados Unidos contra o Brasil — guerra de verdade, não comercial? Menos mal que o irmão Flávio parece ter recuperado algum senso, invocando Deus para pedir uma “saída honrosa”. Mas lembrando, Deus não é álibi. Democracia não é novelo que se puxa ao gosto do freguês.
Não custa lembrar, contudo, que há um país real além da gritaria. Em Mato Grosso do Sul e em Dourados, o cotidiano pede gestão. Eduardo Riedel, com a transversalidade que prega, tenta o caminho do diálogo. Marçal Filho, apesar da bandidagem que ronda, tem imposto um alto-astral administrativo raro por aqui — e, como diria o lendário Laquicho, nosso maior contador de causos, “até aqui (com Marçal) Dourados vai bem”. Que assim continue: menos holofote de insanidade, mais rotina que funciona.
Moral da história? O “bem contra o mal” não mora em slogans. Mora no respeito às regras, na responsabilidade com a palavra e na recusa aos “malucos favoritos” — de direita, de esquerda, de toga ou de microfone, como bem escreveu no Correio do Estado o subchefe da Casa Civil de Riedel, o douradense Waltinho Carneiro. A lei não é vingança; é limite. Quem aposta no tumulto acaba, cedo ou tarde, descobrindo que o palco tem alçapão.
A queda de Bolsonaro não inaugura a justiça; apenas confirma que ela existe. Em Mato Grosso do Sul, a Uragano já tinha avisado. Quem ainda acha que poder é capa de invisibilidade talvez precise de um passeio pedagógico: do Parque dos Poderes à Papuda. A diferença está em aprender a lição antes da passagem só de ida.
E se algum dia ainda restarem dúvidas, basta lembrar do punhal verde e amarelo, brandido não em defesa da pátria, mas contra ela própria — símbolo de uma insanidade que confundiu patriotismo com golpe.
“Quem leva em cativeiro, em cativeiro irá; quem matar à espada, importa que à espada seja morto.” (Apocalipse 13:10)
