Há dias em que a política parece um teatro de máscaras que se recusam a cair. E outros, piores, em que não há disfarce algum — apenas a luz inclemente sobre o ossário dos pactos. Este 16 de setembro de 2025 será desses dias memoráveis, para o bem e para o mal. Só faltou uma foto do deputado Rodolfo Nogueira, o gordinho do Bolsonaro, comemorando o “grande avanço congressual” de braços dados com o companheiro petista Vander Loubet.
O Congresso, esta instituição paradoxal, resolveu erguer um escudo. Não qualquer escudo: o escudo constitucional que exige do Judiciário algo que se chama “aval do Legislativo” para que parlamentares sejam processados. Chama-se PEC da Blindagem — um nome tão literal que dói: blindar quem está no poder contra responsabilidades.
Imaginem só: um deputado ou senador, no exercício formal do poder, só pode ser réu se seus pares permitirem. Ou seja: o legislador que pode julgar logrou articular uma cláusula para que seus julgadores — ele próprio, os seus, o próprio Congresso — sejam também vigias, juízes e guardiões da porta do tribunal. É como se um ladrão determinasse quem pode acusá-lo formalmente — e sob que condições.
É aí que entra a aliança impensada — ou nem tanto — entre forças que sob outras máscaras fingem oposição. Bolsonaristas, lulistas, e, claro, o Centrão: todos tocaram juntos esse sino da impunidade. Nem esperaram a missa de sétimo dia — enterram vivos, hoje mesmo, princípios constitucionais e democráticos. Eduardo Bolsonaro ascendendo como líder da minoria, remoto ou presencial, é só parte do cenário. É o reflexo de que o poder já não depende tanto do mandato, mas da blindagem.
Penso: quando o sistema legal deixa de poder investigar seus próprios detentores, e quando este sistema legal pede licença para investigar, algo se rompe irreversivelmente. A justiça morre de inanição — faminta de autonomia, sufocada pela política.
E mais: isso não é só sobre quem a PEC protege hoje — é sobre quem ela deixa desprotegido. É sobre quem hoje voa baixo, fala grosso, protesta. Quem organiza a coleta de voto, quem padece no asfalto, no hospital, na escola. Porque se o povo não tiver os mecanismos de responsabilização funcionando, se todos os espaços de controle estiverem sob vigilância dos blindados — a ferida da impunidade contamina tudo.
Mas, cá entre nós: não creio que seja o fim dos tempos. Também não creio que tudo esteja perdido. Porque há vozes pequenas, modestas, invisíveis até, que resistem. Há advogados, jornalistas, professores, ativistas que não cedem. Que veem na justiça não um instrumento de poder, mas um imperativo ético.
Se for fim é um fim possível de ser interrompido — se for fim de certa aridez institucional, ainda resta solo fértil no povo para plantar democracia. O que nos resta é atenção alta, indignação ativa, participação concreta. Que não se aceite essa PEC como “mais uma”, que não se erre para trás como quem se acomoda no escuro.
Porque, por mais desolador que seja, o fim dos tempos é bom por nos lembrar: ou lutamos por justiça ou morremos em silêncio.
