Poucos episódios da política brasileira foram tão insólitos quanto o que aconteceu em 1977 em Vicentina, município desmembrado de Fátima do Sul e que voltou a ser distrito por conta de uma ação judicial histórica. Um município que nasceu e morreu em menos de dois anos, graças a um advogado douradense que ousou enfrentar o regime militar — e venceu.
O nome dele é Josephino Ujacow, que ontem completou 90 anos de vida, ainda em plena atividade na Comarca de Campo Grande. À época, advogando em Dourados, já era um dos criminalistas mais respeitados de Mato Grosso (quando ainda não havia Mato Grosso do Sul) e não se intimidava nem diante de generais de farda engomada. Foi ele quem convenceu o Supremo Tribunal Federal a declarar inconstitucional a lei que criou Vicentina, obrigando o sisudo presidente Ernesto Geisel a sancionar uma emenda constitucional apenas para acabar com o município. Um fato inédito na história do Brasil.
A notícia correu o país e fez com que os quatro maiores jornais brasileiros mandassem correspondentes à poeira vermelha de Vicentina: o insubordinado que vos escreve, pela Folha de S.Paulo; José Luiz Alves, pelo Jornal do Brasil; Danel Lopes, por O Globo; Cícero Faria e Antônio João Hugo Rodrigues, pelo Estadão.
Imaginem a cena: um lugarejo sem calçamento, onde o maior acontecimento até então tinha sido a chegada da energia elétrica, de repente virou palco de debates constitucionais, disputas políticas e reportagens em escala nacional. Vicentina, em sua brevidade, foi um meteoro: iluminou e se apagou.
Ontem, em justa homenagem, enviei ao “doutor Jacó”, ou “Pepito”, como Ujacow também é conhecido, via Facebook, a cópia da reportagem que publiquei na Folha de S.Paulo em 29 de novembro de 1977, resgatada dos arquivos. Ele recebeu o texto como um presente e se emocionou. E não era para menos: poucos advogados podem dizer que obrigaram um presidente da ditadura a mudar a Constituição.
Vicentina voltou a ser distrito, temporariamente, Ujacow seguiu sua brilhante carreira, e cada repórter retornou às suas redações. Mas ficou a lição: até mesmo uma pequena vila sul-mato-grossense pode obrigar generais a recuar, jornalistas a acampar e a história a se reescrever.
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