Multidões tomaram as ruas neste sábado em mais de 2.600 cidades em todos os 50 estados dos Estados Unidos para expressar sua indignação com as políticas linha-dura do presidente Donald Trump nos protestos chamados “No Kings” (ou “Dia Sem Reis”), que os republicanos ridicularizaram como manifestações de “Ódio à América”. Os atos, que já haviam acontecido em junho, também aconteceram em cidades europeias, como Londres, Madri e Barcelona.
Milhares lotaram a Times Square, em Nova York, o Boston Common e o Grant Park, em Chicago. “É assim que a democracia se parece!”, gritavam os manifestantes em Washington, perto do National Mall, um dos marcos icônicos da cidade. Os manifestantes usavam fantasias, incluindo o conjunto de sapo inflável que os ativistas em Portland, Oregon, começaram a usar para zombar da tentativa da Casa Branca de retratar os ativistas como anarquistas ou terroristas domésticos.
Os manifestantes criticam o cerco migratório de Trump, o aumento de processos judiciais contra oponentes políticos e os ataques do presidente à imprensa, além de uma série de outras ações que consideram autoritárias.
— Este presidente é uma vergonha e espero que haja milhões nas ruas hoje — disse Stephanie, uma funcionária de hospital de 36 anos que não revelou seu sobrenome, à AFP no bairro do Queens, em Nova York.
Outros carregavam cartazes coloridos com os dizeres “Queens Say No Kings” (“Queens diz não aos reis”) e “Protestamos porque amamos os Estados Unidos e queremos eles de volta!”. Alguns gritavam: “Amamos nosso país, não suportamos Trump!”.
Em Los Angeles, os organizadores lançaram um balão gigante de Trump usando fraldas. Os números oficiais não foram divulgados até o momento, mas espera-se a participação de 100 mil pessoas no protesto.
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“O presidente acha que seu governo é absoluto. Mas nos Estados Unidos não temos reis e não vamos recuar diante do caos, da corrupção e da crueldade”, afirma o movimento “No Kings”, que reúne cerca de 300 organizações, em seu site.
O número de localidades previsto para este final de semana é significativamente maior que o da última edição, um sintoma da rejeição crescente da população ao que seus organizadores definem como a agenda “autoritária” de Trump. Enquanto isso, o governo federal e seus apoiadores os classificam como “marxistas” e “radicais de extrema esquerda”, que estariam contra os “interesses dos EUA”.
Resposta de Trump
Até o momento, a resposta do presidente aos eventos de sábado tem sido discreta:
— Eles estão dizendo que se referem a mim como um rei. Eu não sou um rei — ironizou Trump ao programa “Sunday Morning Futures” da Fox News.
A paralisação do governo está agora em sua terceira semana, com a administração federal demitindo milhares de funcionários e legisladores mostrando poucos sinais de que estão prontos para quebrar o impasse.
Para alguns líderes republicanos, os protestos são rotulados como antiamericanos e de “ódio à América”. O presidente da Câmara, Mike Johnson, alegou, sem provas, que os atos contribuíram para a paralisação, sugerindo também que os integrantes seriam “pró-Hamas”. E o senador Roger Marshall afirmou que “manifestantes profissionais” e “agitadores” aparecerão. Ele chegou a sugerir que a Guarda Nacional teria que ser usada para contê-los.
Antes, o “Dia Sem Reis”, organizado por uma coalizão de ativistas e turbinado nas redes sociais, mobilizou cerca de 1,5 mil atos em todos os 50 estados americanos, incluindo na capital, Washington, onde Trump ameaçou usar a força caso houvesse qualquer tipo de interferência em sua parada militar. Por sinal, o evento, raro nos Estados Unidos, foi o catalisador para o movimento — além das centenas de decretos executivos impetrados pelo magnata nas primeiras semanas de governo.
“A mobilização ‘Sem Reis’ é uma resposta direta ao desfile militar e comemoração de aniversário de Donald Trump, que custou US$ 100 milhões (o custo oficial anunciado pelo Pentágono foi de US$ 45 milhões), um evento financiado pelos contribuintes enquanto milhões de pessoas são informadas de que não há dinheiro para a Previdência Social, SNAP, Medicaid ou escolas públicas”, afirmam os organizadores em comunicado.
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‘País de iguais’
O movimento “No Kings” organizou eventos até no Canadá, e pequenas manifestações também ocorreram em Málaga, na Espanha, e em Malmo, na Suécia.
Na quinta-feira, Deirdre Schifeling, diretora política e de defesa da União Americana pelas Liberdades Civis, disse que os manifestantes queriam transmitir que “somos um país de iguais”.
— Somos um país de leis que se aplicam a todos, de devido processo legal e de democracia. Não seremos silenciados — disse ela aos repórteres.
Leah Greenberg, cofundadora do Indivisible Project, criticou os esforços do governo Trump para enviar a Guarda Nacional às cidades dos EUA, reprimir migrantes sem documentos e processar oponentes políticos.
— É o clássico manual autoritário: ameaçar, difamar e mentir, assustar as pessoas para que se submetam — disse Greenberg.
O senador democrata Chuck Schumer encorajou os manifestantes a fazerem suas vozes serem ouvidas. “Eu digo aos meus compatriotas americanos neste Dia Sem Reis: não deixem que Donald Trump e os republicanos os intimidem a ficarem em silêncio. É isso que eles querem fazer. Eles têm medo da verdade”, escreveu ele no X. “Falem, usem sua voz e exerçam seu direito à liberdade de expressão.”
Entenda
Um dos maiores protestos de junho aconteceu em Atlanta, na Geórgia, onde milhares de manifestantes se concentraram diante do Capitólio estadual. Em meio a bandeiras americanas, os participantes criticavam os gastos com a parada militar em Washington, apontando o contraste entre o discurso de austeridade — que até o mês passado era personificado pelo bilionário Elon Musk — e o dinheiro gasto para fazer com que os tanques e tropas caminhem pela capital americana.
— Discordo totalmente disso. As pessoas estão com fome. As pessoas estão sofrendo. Precisamos desse dinheiro em outros lugares — disse Renee Hall-George, assistente social, à rede CNN. — Que tal financiar a educação? Que tal alimentar as pessoas? Que tal oferecer assistência médica?
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Em Houston, um dos poucos redutos democratas no Texas, e onde o governador republicano Greg Abbott mobilizou cinco mil membros da Guarda Nacional antes dos protestos, as críticas se concentravam nos eventos em Washington e no crescente número de prisões de imigrantes, ordenadas pelo governo Trump: na multidão, um cartaz se destacava, “nenhum filho de Deus é ilegal”, uma resposta ao discurso da Casa Branca contra a chamada “imigração ilegal”.
Em uma “base” democrata, Nova York, os atos começaram apesar da chuva insistente na cidade. No Parque Bryant, em Manhattan, os discursos traziam acusações de que Trump e seu governo não atuam mais para criar um ambiente seguro para os EUA, “mas sim por pura crueldade”. Outra fala recorrente era sobre o “crescente autoritarismo” das autoridades federais. Em Staten Island, a região mais conservadora da cidade, outro protesto pedia que os carros buzinassem em apoio — um motorista, além de não buzinar, abaixou o vidro e gritou “longa vida ao rei”.
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“Achamos importante nos reunirmos pacificamente. Diante desse horror, lamentaremos e expressaremos nossa determinação por um futuro pacífico, justo e democrático”, afirmaram os organizadores de um dos protestos, em Minneapolis. “Nossa equipe de liderança está em contato com as autoridades no Capitólio e compartilhará quaisquer atualizações.”
Mas o foco do “Dia Sem Reis” era Los Angeles, epicentro dos protestos iniciados na semana passada contra a política migratória de Trump, que motivaram uma batalha legal entre a Casa Branca e o governo da Califórnia em torno do envio de tropas da Guarda Nacional e dos Fuzileiros para a cidade. Centenas de pessoas foram presas, e antes dos atos deste sábado as autoridades locais alertavam contra atos de violência.
O Globo e agências internacionais — Nova York, Houston e Los Angeles
