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sábado, dezembro 6, 2025

CACs compram 1 milhão de munições para fuzil em 6 meses e respondem por 2/3 do mercado mesmo com mudanças sob Lula

Caçadores, atiradores e colecionadores adquirem mais de 5 mil unidades de munição de grosso calibre por dia no país, segundo levantamento inédito do Sou da Paz; até governo Bolsonaro, categoria não tinha acesso a esse tipo de armamento no Brasil

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Nos seis primeiros meses deste ano, mais de 104 milhões de unidades de munições foram vendidas no Brasil, uma média de 580 mil por dia. Só os CACs, categoria de caçadores, atiradores e colecionadores, adquiriram 54 milhões deste total. Outros 42 milhões foram comercializadas para a revenda em lojas de material bélico.

Os dados inéditos foram levantados pelo Instituto Sou da Paz junto ao Exército Brasileiro, por meio da Lei de Acesso à Informação, e obtidos com exclusividade pelo jornal O Globo.

O levantamento coloca uma lupa sobre as munições de calibres especialmente preocupantes, as de fuzis 223 REM, 5.56×45 mm, 7.62×51 mm e .308Win, bastante usadas pelo crime organizado em confrontos com forças de segurança. De janeiro a junho, foram vendidos no país 1,4 milhão de munições de fuzis, sendo 67% delas vendidas a CACs — um total de 948,5 mil, ou a média de 5.270 por dia.

Para Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz, os dados do levantamento revelam que as restrições impostas pelo governo Lula, ao contrário do imaginado pelo senso comum, não restringiram a venda de munições de fuzis.

— Quando a gente faz a fotografia de 2025, vemos que o volume de entrada de munições de fuzil compradas no mercado civil ainda é muito alto. E num contexto em que a fiscalização dessa munição, a rastreabilidade, ainda são muito precárias — ressalta Langeani.

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Em janeiro de 2023, em seu primeiro ato de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou um decreto para suspender novos registros para CACs, clubes de tiros e lojas de armas. Em julho, um novo decreto limitou a quantidade de armas e munições para esse público e controlou a atuação desses estabelecimentos. Os atos do atual governo, contudo, não exigiram a entrega de fuzis por parte dos CACs.

Até 2019, CACs nem sequer podiam ter acesso a fuzis. Apenas as forças armadas tinham a permissão para operar esse tipo de armamento de grosso calibre. O aumento da circulação dessas armas e desse tipo de munição facilitou a obtenção também pelo crime organizado, sustentam os especialistas.

Apreensões policiais recentes mostram essa dinâmica. Em novembro do ano passado, seguindo uma informação de inteligência, agentes da Polícia Civil de Indaiatuba, no interior de São Paulo, abordaram dois indivíduos que iriam comercializar armas de fogo para interessados que estariam em um táxi. A arma negociada, um fuzil da marca Taurus, modelo T4, calibre .556, com a numeração raspada, seria adquirida por R$ 45 mil e depois revendida por R$ 60 mil. O vendedor, Vladimir Rogério de Souza, alegou ser CAC. Mais tarde, na casa dele e de familiares, a polícia encontrou mais armas e munições.

Outro caso mais antigo ficou ganhou destaque pela quantidade de armamento comercializado. Em janeiro de 2022, a polícia de Goiânia prendeu Vitor Furtado Rebollal Lopes, conhecido como Bala 40, que usava aplicativos de mensagens para vender armas, inclusive para o Comando Vermelho (CV). Na casa de Lopes, no Grajaú, bairro de classe média na Zona Norte do Rio, foram apreendidos 26 fuzis, 21 pistolas, dois revólveres, três carabinas, uma espingarda e um rifle, totalizando 54 armamentos, além de grande quantidade de munição. Segundo os investigadores, o suspeito se aproveitava de ter registros como colecionador e atirador esportivo para adquirir os itens legalmente e revendê-los à maior facção criminosa do estado.

Langeani diz que facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho utilizam essas munições de grosso calibre, em especial, em crimes de domínio de cidade, modalidade conhecida como novo cangaço. E no enfrentamento a grandes operações policiais, como ocorreu em outubro, nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, a ação mais letal da história, que resultou em 121 civis, sendo quatro policiais.

— A gente quase não teve um debate sobre o que permite uma facção sustentar 18 horas de tiroteio contra a polícia. Para isso, existiu um fornecimento de munição muito brutal, muito sólido — disse Langeani. — Quem está olhando para sufocar esse fornecimento? Se a gente consegue sufocar, a polícia vai fazer a operação com muito mais facilidade. E essas facções perdem o poder de resistir à atuação policial, do Estado.

Dos 93 fuzis apreendidos com o Comando Vermelho depois da megaoperação, a análise preliminar da Polícia Civil indica que a maioria é dos mesmos calibres identificados como predominantes na região Sudeste em um estudo do Instituto Sou da Paz, lançado em setembro passado em revista acadêmica da London School of Economics.

A pesquisa mostrou que, na região Sudeste, a apreensão de armas de estilo militar cresceu de 1.494 para 1.665 unidades (11,4%) entre 2019 e 2023 — entre fuzis, submetralhadoras e metralhadoras que compõem o mercado ilegal de armas de fogo, confiscadas pelas forças de segurança estaduais e federal.

Venda em lojas

Segundo o levantamento do Sou da Paz, as lojas compraram 434,6 mil munições de fuzil em seis meses, ou 30% do total vendido, com grande concentração na 2ª e 3ª regiões militares, que correspondem aos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Juntos, os estabelecimentos desses estados foram responsáveis por 98% das compras de munições de fuzis por lojistas em todo o país.

A 1ª região militar, que soma os estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro, é responsável por apenas 4% do total de munições vendidas a CACs nacionalmente. No entanto, essa mesma região concentra 17% das munições de fuzis vendidas a CACs, somando 165 mil munições entre janeiro e junho de 2025, ou 920 munições por dia.

O controle sobre a compra de munições no mercado civil tem um histórico de deficiências. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em 2024, identificou aproximadamente 2 milhões de munições compradas de forma irregular no país, com uso de documentos falsos, registros inválidos e até CPFs de menores de idade ou pessoas falecidas. Um caso emblemático no Maranhão identificou o uso de laranjas que pode ter resultado no desvio de até 60 toneladas de munição no mercado ilegal do Norte e Nordeste do país.

O Exército só passou a usar um sistema desenvolvido de forma independente da indústria para realizar o controle das vendas no varejo de munições neste ano.

Aline Ribeiro/O Globo — São Paulo

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