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sexta-feira, dezembro 5, 2025

Crônica de um atoleiro anunciado

Quando o calendário eleitoral encurta, a lama borbulha, o Judiciário acorda e os velhos larápios reaparecem — sempre em perfeita desarmonia

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Lama não combina com sinfonia. Não tem maestro, não tem pauta, não tem violino chorando em dó menor. Lama é barulho, é tranco, é ranger de caminhão atolado, é dinheiro público afundando sem boia. E, mesmo assim, todo ano eleitoral o Judiciário parece insistir em reger essa orquestra sem música — um espetáculo irregular, desafinado, mas de timing impecável: sempre na véspera da eleição.

É uma coreografia previsível, quase folclórica. Passam-se meses — quando não anos — em que processos cochilam no abraço morno dos escaninhos. Mas basta o calendário eleitoral abrir um olho, como quem espia o amanhecer, que pá! surgem sentenças como se tivessem brotado do asfalto rachado. Beijinho, aquele da história do boi, da lendária Rádio Clube de Dourados, filósofo eventual e cowboy em tempo integral, sempre sentenciava com aquele ar de quem viu demais:

“Tudo malaco, quando o mato canta, tem bicho correndo.”

Pois o mato cantou. E como cantou.

Depois da prisão de Roberto Razuk em Dourados, veio mais uma onda da interminável Operação Lama Asfáltica, um épico administrativo que faria até García Márquez desconfiar da própria imaginação. O juiz Eduardo Lacerda Trevisan, tomado por um surto de produtividade pré-eleitoral, produziu uma sentença de 71 páginas — não sei se é decisão ou novela de costumes públicos — condenando sete personagens e a Proteco por desvio de exatos R$ 5,770 milhões na MS-338.

Parece até que a estrada foi a única coisa que não se recuperou nessa história.

A conta final, corrigida pela Selic — essa égua nervosa que não aceita sela nem carinho — alcançou os R$ 17,6 milhões. O elenco da vez? Os de sempre: Giroto, sempre pronto para vestir nova ideologia conforme o figurino da ocasião; João Amorim, que poderia facilmente dar nome a uma avenida da improbidade; e a brigada de engenheiros, fiscais e operadores que transformaram medições em ficção científica.

A Proteco foi contratada por R$ 6,6 milhões, subcontratou por R$ 3,4 milhões, entregou menos do que prometeu, recebeu mais do que merecia — e ainda encontrou mãos dispostas a assinar que estava tudo impecável. Uma obra invisível, mas perfeitamente medida. Se dinheiro tivesse cheiro, daria para sentir o perfume dele passando pelas frestas.

Beijinho, coçando a aba do chapéu, repetiria:
“Homem que assina demais é porque trabalhou de menos.”

No meio desse enredo, o Judiciário aparece agora como herói tardio, erguendo a espada da moralidade com o entusiasmo de quem sabe que será manchete. As condenações, claro, são necessárias — urgentes até. Mas o timing… ah, o timing! A Justiça brasileira tem estação própria: verão, outono, inverno e temporada de sentenças eleitorais.

E enquanto isso, os políticos de alto coturno seguem desfilando pela lama com a confiança de quem acredita ser impermeável. Alguns afundam, outros pairam, mas todos fingem que é apenas barro de chuva, não lama de desvio. Como dizia Beijinho, mestre da filosofia do pasto:

“Político ladrão não corre. Ele se acostuma com o chão.”

A verdade é que esse atoleiro é recorrente. Um pântano de ciclos repetidos, onde os mesmos nomes, esquemas e histórias reaparecem com a pontualidade de uma ressaca moral. A lama permanece. A estrada afunda. Os coturnos de luxo escorregam.

E, ao contrário da ficção, aqui não há trilha sonora. Há só o ruído incômodo de um país que não se cansa de deslizar na própria sujeira.

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