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quarta-feira, dezembro 24, 2025

Quando o Natal já não constrange o ódio

Às vésperas do Natal, a palavra “extermínio” reaparece no debate político e expõe até onde pode ir a degradação do discurso público — e o quanto a democracia brasileira anda à beira do esgotamento moral

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É curioso — e profundamente perturbador — como certas palavras ressurgem quando a sociedade começa a perder seus freios mais básicos. Às vésperas do Natal, quando até os mais céticos são empurrados a algum tipo de pausa, introspecção ou constrangimento ético, um empresário resolveu escrever aquilo que talvez muitos pensem em silêncio, mas poucos ousam dizer em voz alta: extermínio. Não como metáfora frouxa. Não como ironia. Mas como proposta. Exterminar petistas. Assim, no plural, no atacado, como quem fala de praga, de coisa indesejável, de algo que não deveria continuar respirando.

O comentário, publicado em rede social, ultrapassou o território da indignação virtual e chegou à Polícia Federal. Ainda bem. Porque há um ponto em que a democracia precisa parar de fingir que tudo é apenas “opinião”. Comparar adversários políticos a inimigos de guerra, evocar conflitos internacionais sangrentos e sugerir que não há cessar-fogo enquanto “um desses” existir não é liberdade de expressão — é a falência dela. É quando a palavra deixa de ser instrumento de debate e passa a funcionar como ensaio geral da violência.

O deputado federal Vander Loubet, presidente estadual do Partido dos Trabalhadores em Mato Grosso do Sul, protocolou notícia-crime. Disse o óbvio que precisa ser repetido em tempos de delírio coletivo: divergência política se resolve com debate; ameaça de morte é crime. Simples assim. Mas nada é simples quando parte da sociedade passou a tratar o outro não como alguém com quem se discorda, mas como algo que precisa ser eliminado do caminho.

Tudo isso acontecendo em dezembro, mês carregado de simbolismo. O Natal — independentemente de fé ou descrença — fala de nascimento, de fragilidade, de limite. Fala de uma criança colocada numa manjedoura porque não havia lugar na estalagem. É uma narrativa fundadora da recusa à lógica do extermínio. Mesmo para quem não acredita em anjos, estrelas ou milagres, há ali uma ideia incômoda e poderosa: ninguém deveria ser considerado descartável.

Mas o discurso de ódio não respeita calendário, liturgia nem datas comemorativas. Ele cresce no riso nervoso, no “foi força de expressão”, no “não leva a sério”, no “é só internet”. Até o dia em que alguém leva. Não por acaso, dias antes, a deputada estadual Gleice Jane registrou boletim de ocorrência após receber ameaças de morte pelo celular. Violência política de gênero, diz o enquadramento jurídico. Violência política, ponto final, diz a realidade.

O que assusta não é apenas quem escreve esse tipo de frase. É o ambiente que a torna possível. É a naturalização da ideia de que certos grupos não merecem existir. É a transformação da política em cruzada moral, em guerra santa, em terreno onde exterminar o outro passa a soar — para alguns — como solução aceitável.

Mexer nesse vespeiro incomoda porque obriga a sociedade a se olhar no espelho. O problema já não é esquerda ou direita, PT ou antipetismo. O problema é mais fundo. É civilizatório. Quando a linguagem do extermínio entra em cena, o debate acaba. O que vem depois não é política — é ruína.

Talvez o Natal não resolva nada. Mas ele ao menos deveria nos constranger. E quando nem isso acontece, é sinal de que algo essencial já se perdeu pelo caminho.

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