06/09/2021 – 10h23
Magistrados dialogam com emissários do Planalto e do Congresso; até o ex-presidente Michel Temer participa das conversas
Alvo preferencial do presidente Jair Bolsonaro nos últimos meses, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) adotaram como estratégia a discrição em público e a articulação nos bastidores para lidar com a crise institucional. Os ataques presidenciais, sobretudo contra Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, uniram a Corte e, longe da ribalta, seus integrantes trabalham para manter aberto um canal de diálogo com o governo.
O ápice da conflagração do ambiente entre Palácio do Planalto e Judiciário ocorreu no mês passado, quando Bolsonaro apresentou um pedido de impeachment ao Senado contra Moraes. O ministro é o relator de inquéritos em que o presidente figura como investigado, entre eles o que apura a suposta atuação de uma milícia digital especializada em disseminar notícias falsas. O processo contra o magistrado acabou arquivado.
Nos últimos dias, quando ataca o Supremo, Bolsonaro tem dito reiteradas vezes que não descarta agir “fora das quatro linhas da Constituição”. Paralelamente, alguns de seus apoiadores já defenderam investidas antidemocráticas contra ministros no 7 de Setembro.
Ministros do STF atuam para pavimentar pontes com os demais Poderes na tentativa de reduzir os efeitos do conflito. Os principais movimentos partiram do presidente, Luiz Fux. Ele mantém contato frequente com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, empossado no final de agosto, segundo o próprio, com a missão de melhorar o relacionamento do governo com Judiciário e Legislativo.
Nogueira tenta expandir os canais de diálogo com o tribunal para além da Presidência. Ele vem buscando aproximação inclusive com ministros mais discretos, como Rosa Weber e Edson Fachin. Tem ficado a cargo do titular da Casa Civil a tarefa de levar à Corte os temas de interesse do Planalto.
Fux também vem conversando com o ministro da Economia, Paulo Guedes. O assunto principal é o aumento dos precatórios previsto para o ano que vem, quando o governo precisará pagar R$ 89,1 bilhões em despesas judiciais. O montante já foi classificado por Guedes como um “meteoro” na direção do Orçamento. Há diferentes propostas de solução para o problema e parte delas seria costurada com o Supremo, para evitar que uma eventual saída construída no Congresso seja judicializada. A discussão sobre o tema, contudo, só será retomada após as manifestações de 7 de Setembro, e o comportamento de Bolsonaro na ocasião poderá ser determinante para o sucesso das negociações. Novos disparos contra a Corte tendem a comprometer o clima e dificultar um desfecho favorável ao Planalto.
Ao cultivar linha direta com auxiliares próximos de Bolsonaro, o presidente do Supremo tentar afastar eventuais críticas de que o tribunal poderia punir o governo para reagir às estocadas do seu comandante.
Temer: não há como recuar
Noutra frente, durante um jantar em São Paulo, há cerca de três semanas, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli falaram sobre a crise institucional com o ex-presidente Michel Temer, que mantinha contatos esporádicos com Bolsonaro. No mesmo evento estava o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Felipe Salomão, responsável por abrir uma inquérito que investiga as ameaças feitas por Bolsonaro ao processo eleitoral.
Temer confirma o encontro e diz que, na ocasião, defendeu que Fux trabalhe para reabrir um canal permanente de interlocução com Bolsonaro.
— Dizem que a situação chegou a um grau de tensionamento de onde não há mais como recuar. Sempre há como corrigir, mas a pacificação, o contato institucional deve ser feito entre presidentes de Poderes, ou seja, Jair e Fux. Precisam manter diálogo permanente.
Temer demonstrou preocupação com ataques virtuais disparados contra Alexandre de Moraes, que foi ministro da Justiça e chegou ao STF durante seu governo.
— O que fazem como ele e com a família dele nas redes sociais tem me impressionado. Soube de uma publicação em que se pedia que cortassem sua cabeça — disse Temer, para quem há caminhos viáveis para se resolver a crise institucional. — É preciso pacificar o país, mas, antes, há de se pacificar o presidente.
Nas últimas semanas, a principal resposta do STF a Bolsonaro vem sendo o silêncio. Os ministros têm tomado decisões conjuntas sobre a melhor forma de se posicionar diante dos ataques. Intramuros, eles avaliam que rebater as investidas do presidente e de seus aliados amplifica a repercussão dos discursos radicais. Quando concluem que o tribunal precisa se manifestar, o papel cabe a Fux.
Assim foi na semana passada. Depois de Bolsonaro convocar o povo às ruas para as manifestações de amanhã, e alguns dos seus apoiadores estimularem a realização de atos antidemocráticos para a data, Fux se pronunciou. Na abertura da sessão de quinta-feira, ele disse que o STF estará vigilante.
— Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas; por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças (…). Seja nos momentos de tormenta, seja nos momentos de calmaria, o bem do país se garante com o estrito cumprimento da Constituição. A esta missão jamais renunciaremos, como juízes constitucionais — pregou o presidente do tribunal.
Mais intimidações
Depois do discurso, o presidente da República renovou as intimidações e anteontem, durante viagem a Pernambuco, defendeu que dois ministros do Supremo devem ser “enquadrados”, mas não os citou nominalmente.
Embora faça críticas ao Supremo desde a campanha de 2018, Bolsonaro elevou o tom e passou a manter uma rotina de ameaças e xingamentos durante a tramitação do projeto que instituiria o voto impresso no Brasil, uma de suas principais bandeiras. A proposta, porém, acabou rejeitada pela Câmara dos Deputados. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e defensor do atual sistema de votação, Barroso entrou na mira do mandatário do Palácio do Planalto.
As articulações, no entanto, não se limitam a Fux e Moraes. Nunes Marques, nomeado ao Supremo por Bolsonaro — inegavelmente, o membro do tribunal mais próximo do Planalto —, vez por outra também se movimenta para fazer o meio de campo entre os Poderes e tentar baixar a fervura.
Episódios que acentuaram a tensão entre Bolsonaro e o Supremo
Ataques às urnas e ao TSE
No fim de julho, o presidente Jair Bolsonaro fez, em sua live semanal nas redes sociais, ataques sem provas ao sistema eletrônico de votação. Ao longo da semana seguinte, Bolsonaro também fez críticas e ataques ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, por sua posição contrária ao voto impresso e lançou dúvidas sobre a realização da eleição de 2022. Em resposta, a Corte abriu um inquérito administrativo para apurar afirmações falsas sobre as urnas e pediu que Bolsonaro fosse investigado no inquérito das fake news do STF.
Inclusão em inquérito no STF
Em resposta ao TSE, o ministro Alexandre de Moraes determinou no dia 4 de agosto a inclusão de Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news, do qual é relator, em função dos ataques aos ministros da Corte e da disseminação de mensagens falsas sobre as urnas eletrônicas. Para o ministro, as condutas de Bolsonaro configuram, em tese, 11 crimes, entre eles calúnia, difamação, injúria e incitação ao crime. Na decisão, Moraes afirmou que Bolsonaro tem agido para “tumultuar, dificultar, frustar ou impedir” as eleições do próximo ano.
Pedido de impeachment
Em 14 de agosto, Bolsonaro anunciou que faria um pedido de impeachment contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, um dia depois de Moraes determinar a prisão do ex-deputado Roberto
Jefferson, aliado de Bolsonaro, por suposta participação em uma organização criminosa digital montada para ataques à democracia. O pedido de impeachment só foi oficializado no dia 20 no Senado e mirou apenas Moraes. Cinco dias depois, foi rejeitado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Prisões de aliados de Bolsonaro
Nas últimas semanas, pedidos de prisão e operações determinados pelo STF atingiram outros aliados de Bolsonaro além de Roberto Jefferson. O cantor Sérgio Reis e o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) foram alvos de mandados de busca e apreensão, após um vídeo convocando uma greve de caminhoneiros para 7 de Setembro circular nas redes. A articulação de atos na data também motivou a prisão do blogueiro bolsonarista Wellington Macedo e um pedido contra o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, que está foragido.(Mariana Muniz/O Globo)