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segunda-feira, julho 1, 2024

A Razuk o que é de Razuk

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Nunca antes na já longeva história deste site-blog hesitei tanto para escrever um texto. Nem mesmo os 53 anos de estrada me dão a certeza do percurso a seguir. Já se vão quatro dias, desde que o personagem de hoje por pouco não tem uma sapituca, tamanha a emoção, em pleno Jaguaribe, ao receber uma medalha de prata, embora merecesse estar no lugar mais alto do pódio para o tão merecido ouro, tendo em vista sua envergadura no contexto histórico da terra de seu Marcelino. E lá estava o outrora tão temido poderoso chefão Roberto Razuk, humildemente, passos lentos, amparado por uma bengala, curvando-se diante do veredito da Casa que serviu de trampolim para que sua mulher, Délia, fosse entronizada no posto mais alto da política douradense – o de chefe do executivo municipal – posto que poderia ter sido dele não fosse uma das maiores injustiças de que foi vítima. Injustiça que se cometeu mais pela fama do que, propriamente, pelo “crime” por ele cometido.

Vou tentar preservar as questões éticas que norteiam o bom jornalismo, mas amparando-me num bordão do próprio Razuk, comigo mesmo, quando, em nossas tergiversações, fazendo prevalecer suas verdades, sempre concluía seus embasamentos com um enfático “estou mentindo?”. Lá se foram quase cinquenta anos de amizade, das mais íntimas, que resultaria numa biografia autorizada, mas interrompida pelos descaminhos da administração da “dona”, como ele se referia à esposa Délia no período em que esteve prefeita. E aproveitando o ensejo, para devolver publicamente a pergunta ao velho e querido amigo: “eu estava mentindo?”.

A singela medalha do “Mérito Legislativo” recebida pelo ex-deputado Roberto Razuk quinta-feira passada vem em muito boa hora, para que se coloquem os pingos nos is de uma história que ainda não acabou e para que ele não passe à história como o grande vilão. E, aqui, socorrendo-me numa preocupação de uma grande amiga em comum nossa – a saudosa professora e fundadora da Fifasul, Ively Monteiro Carvalho – no dia em que, como assessor de imprensa do prefeito Luiz Antônio Gonçalves, publiquei uma nota oficial, na primeira página do jornal “O Progresso”, também para colocar os mesmos pingos nos is de um artigo mandado publicar pelo mesmo Razuk, no jornal “O Panorama”, sobre o que ele entendia como a cobrança ilegal de impostos pela prefeitura. Ively me telefonou assim que recebeu o jornal, perguntando, “mas você não tem medo de morrer?”.

A propósito, abrindo aqui um parêntese para que fique claro quão íntima foi minha relação com Roberto Razuk. Por mim induzido, ele comprou o jornal O Panorama e me entregou a direção, ante minha condição de total liberdade para fazer jornalismo. Pouco tempo depois, fechada a edição do dia, tomando minha cervejinha diária no Paulão (o primeiro, também na Marcelino Pires, só que no centro da cidade) recebo um recado para dirigir-me até a oficina do jornal, pois lá estava Roberto Razuk, andando pra lá e pra cá, indignado com um artigo que sairia no dia seguinte, criticando alguém cujo nome não vem ao caso. Mandei dizer que só iria depois da saideira. Dali a pouco ele adentra à Pizzaria. Pensei, é hoje. Deu um tapinha em minhas costas, pediu também uma cerveja e conversamos um tempinho sem que ele dissesse o motivo de sua inusitada presença. Na saída, cochichou em meu ouvido, educadamente: “não é hora de briga, reveja sua posição e dê pelo menos uma amenizada naquele texto”. Esse era o jeito Razuk de lidar com as questões mais intrincadas.

Mas, o tempo passou, vieram as mazelas do corpo e, pior, o calvário de uma condenação seguida de uma prisão por um “crime” contra o sistema financeiro nacional. Foi condenado a mais de 20 anos de prisão. Puxou três anos e sete meses de cadeia em regime fechado. Depois, inocentado e até hoje demandando contra o Banco do Brasil. “Fizeram tudo isso comigo para tentar me incriminar como narcotraficante, quebraram a cara”, resume sempre que é obrigado a relembrar.

Mesmo livre, passou para o segundo plano da política no contexto familiar. Mas com prestigio inabalável para eleger a mulher vereadora e presidente da Câmara, depois primeira suplente de deputada estadual, cargo que só não assumiu porque quando abriu a vaga Délia Razuk já havia sido eleita prefeita. Vaga na Assembleia Legislativa que na eleição subsequente seria preenchida pelo filho Neno Razuk, já no segundo mandato.

E foi nessa condição de coadjuvante que o poderoso chefão, “o seu Roberto”, passou por aquela que pode ter sido sua maior humilhação, como homem, como chefe de família e como liderança política. E só por uma questão de justiça a um dos maiores vultos de nossa história, a revelação, agora, para que fique claro a Dourados e ao Mato Grosso do Sul por que as coisas não deram certo na administração Délia Razuk, embora o próprio “seu Roberto” não admita isso, razão do rompimento da velha amizade com o titular deste site.

A cena se deu durante um almoço, na residência do casal. Naquela mesma varando onde políticos de todos os quadrantes do estado e do Brasil são recebidos para as mais altas confabulações – do mais simples pedido de apoio para uma candidatura a vereador à formatação de chapas para disputas à Assembleia, ao governo e ao Congresso Nacional. À mesa, conversando comigo, a prefeita Délia tentava ouvir uma conversa paralela do marido com um conceituado advogado do estado, vindo de Campo Grande na condição de lobista de um grande empreendimento que dependia de uma contrapartida do município. Interrompendo abruptamente nossa conversa ela se intrometeu no diálogo: “Dr. (não vou revelar o nome do dito cujo por razões óbvias) o senhor é sempre muito bem-vindo, é de casa, mas quando tiver alguma coisa a tratar referente ao município, por favor, marque uma audiência com minha secretária e vá ao meu gabinete; na prefeitura mando eu”.

Fazendo ouvidos moucos, ainda sem o apoio da bengala, mas já andando com dificuldade, Roberto Razuk se levantou, dirigindo-se ao quarto, antecipando o horário da sesta. O ilustre visitando não esperou pela sobremesa, apenas pediu um cafezinho para espantar o sono na viagem de volta para Grande. Com as mãos abanando. Sobrou à prefeita o constrangimento de me despachar, sem comentar o episódio. Sempre muito acolhedora, como o marido, levou-me até à calçada, onde ainda tentamos disfarçar aquele incômodo momento, com assuntos aleatórios.

Por isso, em respeito ao currículo de seu patrono, Jaguaribe, que a Câmara Municipal de Dourados faça justiça a um dos mais destemidos líderes políticos da região, não obstante suas ligações com a contravenção (ato ilícito menos importante que o crime), pelo envolvimento com o jogo do bicho, uma hipocrisia, num país de tantas loterias – sem falar de coisas piores – bancadas pelo próprio governo. E que Roberto Razuk receba a homenagem que merece, não por mérito de um legislativo do qual sequer participou, mas como cidadão douradense, com todas as honras, por tudo que fez pela cidade, como grande empreendedor e um de seus maiores geradores de empregos. Não numa dessas sessões coletivas de rotina, pela generalização que banalizou esse tipo de homenagem, mas numa sessão pública, exclusiva, aberta ao povo. No Douradão, por exemplo, o elefante branco desde sua inauguração só totalmente lotado nos tempos dos grandes festivais de prêmios, mais uma das muitas “contravenções” de Roberto Razuk.

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