Sol da manhã, inunda-me com tua luz.Antes que o calor do meio-dia chegue, forçando-me a buscar refúgio nas sombras, a esconder-me de ti. Essa luminosidade suave, esse prometer da aurora, encanta-me e convida-me a abraçar o dia que começa.
Nestes momentos, penso em tomar as rédeas da vida, em não permitir que ela me leve, como diz o ditado, para um lado ou para o outro, ao sabor do acaso.
Recebo a notícia de que um amigo está partindo. Ele já não se importa em ir, apenas não quer sentir dor. Os tratamentos já não lhe trazem alívio, não podem mais inverter o fim. Teremos todos um fim. Mas saber que ele está próximo nos ajuda a viver os últimos momentos com mais plenitude? Aproveitar o que ainda é possível, será isso um alento?
Quero ser mestre das minhas vontades e dizer basta quando não desejar caminhar mais. Devemos ter o direito de fazer essa escolha. Quero partir antes que não reconheça mais quem fui, as lutas que travei, os sonhos que cultivei. Que a lucidez me acompanhe, para que o tempo se alongue com sentido. Caso contrário, de que serve o sofrimento, meu e dos outros?
Desejo partir rapidamente, se a sorte assim me contemplar. Caso contrário, quero poder dizer basta quando sentir que não vale mais a pena continuar.
Sol da manhã, ilumina minha alma, mesmo entre ventos e chuvas.
Mazé Torquato Chotil – é jornalista e autora. Doutora (Paris VIII) e pós-doutora (EHESS), nasceu em Glória de Dourados-MS, morou em Osasco-SP e vive em Paris desde 1985. Tem 14 livros publicados (cinco em francês). Fazem parte deles: Na sombra do ipê e No Crepúsculo da vida (Patuá); Lembranças do sítio / Mon enfance dans le Mato Grosso; Lembranças da vila; Nascentes vivas para os povos Guarani, Kaiowá e Terenas; Maria d’Apparecida negroluminosa voz; e Na rota de traficantes de obras de arte.
Em Paris, trabalha na divulgação da cultura brasileira, sobretudo a literária. Foi editora da 00h00 (catálogo lusófono) e escreveu – e escreve – para a imprensa brasileira e sites europeus.