Nos tempos do presidente Mariano Cândido de Arruda, lá nos idos dos anos 70, o velho Jaguaribe já conhecia a pausa para o lanche. Instituído por decreto, o recreio legislativo servia apenas para encher o bucho. Hoje, a coisa mudou — e muito. No aconchegante Avenida Center, o intervalo virou galope certeiro à praça de alimentação. Entre um requerimento e um aparte, vereadores transitam com naturalidade entre plenário e promoções, onde se digere de tudo, até emendas parlamentares — que agora, dizem, têm sabor de “pix”.
Tudo começou com a polêmica reforma do antigo prédio da Câmara. Obra sob suspeita, iniciada por uma empresa de reputação questionável e recheada de “otras cositas” que ainda levantam dúvidas. Mesmo revitalizado, o velho prédio, condenado pelo atropelo do tempo, jamais comportaria uma sede legislativa condizente com o povo: sem estacionamento, sem galerias amplas para o público e com um plenário que, pela lógica democrática, deveria colocar seus representantes em um plano inferior — como no Congresso Nacional — para lembrar sempre quem serve a quem.
Entre os corredores do shopping e a sede da Câmara, agora realugada, o movimento é intenso. Poucos sobem direto para legislar. A maioria prefere a voltinha estratégica: vitrines, cafés, refeições executivas e, para os mais descolados, até um tour pela comida mexicana, impossível de evitar, até porque fica na porta da Casa de Leis.
Nos tempos de Jaguaribe — o velho do retrato já sem plaqueta ali na porta do Plenário — legislava-se com a pompa possível. Hoje, entre algumas cavalgaduras e atores circenses, discute-se menos projetos e mais promoções. As sessões, entre discursos burocráticos, disputam espaço com músicas, anúncios e o cheiro irresistível vindo da praça de alimentação, do churrasco mato-grossense-do-sul.
O velho Pavilhão Dom Teodardo Leitz, oferecido “de grátis” pela prefeitura, parecia uma alternativa racional. Mas quem em sã consciência trocaria o ar-condicionado e as facilidades do shopping para despachar quase de porta com o prefeito Marçal Filho? Proximidade demais, aliás, pode ser indigesta. Negociações mais… sensíveis poderiam perder o sigilo garantido pelo ambiente informal do Avenida.
Nos bastidores, todos sabem. O Pavilhão poderia não apenas abrigar o Legislativo, mas rebatizá-lo. Já imaginou? “Palácio Dom Teodardo” — com direito a disputa de paternidade. Melhor não arriscar. O Shopping oferece mais: conforto, anonimato e… fast food político.
Entre uma votação protocolar e um expresso gourmet, a Câmara cumpre sua rotina. E as excelências, hoje clientes VIP, misturam plenário e praça de alimentação com a leveza de quem sabe que o mandato é curto — e a liquidação, relâmpago.
E o velho Jaguaribe?
Ali permanece. Sem plaqueta, mas atento. Observa o que jamais imaginou ver: vereadores que antes brigavam por microfones agora duelam por mesas disponíveis no horário de pico. Entre apartes e pedidos de combo, Dourados segue. Ele, sábio, apenas assiste. Sem julgar — ao menos por fora.